Saturday, February 17, 2007

Serralves a sete chaves

Terminadas as exposições, encerradas as portas, desligadas as luzes, para onde vão os quadros do Museu de Arte Contemporânea de Serralves (MACS)? Fui conhecer, em exclusivo, o espaço mais bem guardado de todo o edifício desenhado pelo arquitecto Siza Vieira. Local generoso em silêncios e farto em segurança, onde a arte descansa longe dos olhares interrogativos dos humanos. Pela primeira vez, um dos mais visitados museus do país abre a sua "caixa forte" a pessoal não autorizado. Um retrato inédito sobre um espaço inacessível aos 350 mil visitantes/ano e que guarda a sete chaves cerca de 20 milhões de euros em arte. Pelo caminho ficámos ainda a saber quem são e o que fazem as "registers". Afinal de contas nas entranhas do Museu de Serralves quem manda são mesmo as mulheres.
Em Serralves, caminha-se devagar. Sobretudo em espaços de máxima segurança. Identificados os invasores, digitados códigos secretos, entre câmaras, seguranças, alarmes, abre-se uma porta gigante, no piso inferior do museu. No interior de uma espécie de catacumba entra-se finalmente para um estreito corredor. Por cima os visitantes passeiam-se e contemplam as propostas em programa. Cá em baixo a arte repousa, tranquila. Seguimos pelo corredor. Do lado direito erguem-se cinco entradas para outras tantas salas onde se encontra o acervo do museu. Estamos nas "reservas", local onde o museu guarda as suas obras. Sem nunca verem a luz do dia, muitas são meros investimentos, outras servem de moeda de troca com outros museus e uma terceira parte gira em exposições temporárias um pouco por todo o globo. Do lado oposto às portas que dão acesso às reservas surge apenas uma parede que serve de encosto a uma série de instalações e esculturas que invadem o caminho. "Estamos com alguns problemas de espaço", confessam Inês Venade e Daniela Oliveira, as duas "registers" do MACS. O cenário não deixa dúvidas. Como doentes num hospital em hora de ponta, estas obras parecem aguardar impacientemente a sua vez para entrarem numa das reservas. O espaço revela-se desde logo pequeno para tanta obra. São pouco mais de 570 m2 para acolher mais de 3060 obras.
Finalmente, uma das cinco portas gigantes abre-se. Entramos na área da pintura. "Bem, de forma resumida, o que fazemos – diz Daniela, enquanto corre um biombo a pingar de quadros – é, tal como o nome indica, registar e inventariar todas estas obras. Depois catalogamos os trabalhos e controlamos a sua movimentação", explica. Com mestrado em Museologia, Daniela começou a trabalhar no MACS como register em 1999. "Estou desde o início - confessa – está é a profissão que sempre quis". Mais virada para o restauro em termo de formação, Inês entrou em Serralves no ano seguinte, 2000. "Aqui não conhecemos a monotonia e isso para mim é muito importante", confessa. De facto, registar, catalogar, zelar pela integridade física de propostas artísticas contemporâneas é mais interessante do que à partida se pode imaginar. Tudo ou quase tudo já lhes foi parar as mãos. Dos trabalhos mais estimulantes, Inês recorda as obras feitas de pão, do portunese Artur Barrio, e esculturas de chocolate do alemão Dieter Roth. "Quem pensa que ser register é só catalogar pinturas está enganado", afirma. Há trabalhos artísticos são um verdadeiro quebra-cabeças para registar e conservar".
Das qualidades necessárias para se ser boa nesta profissão, Daniela salienta que é necessário "ter memória de elefante" e "ser um pouco picuinhas". "Tens sempre de saber onde está tudo a toda a hora e não podes fazer nada às três pancadas". As obras são ciumentas necessitam de atenção, cuidado, carinho. E sustos? Já alguma vez perderam alguma obra? Olham uma para a outra. Sorriem. "Bem, é raro, mas já aconteceu, apenas por breves momentos. Quando são muitas obras em movimento, por vezes é complicado, mas até à data tem corrido tudo bem."
Entretanto, sorridente, João Fernandes, director do MACS, entra na sala. Sobre a política de aquisições de Serralves e a construção do acervo enquanto identidade central do espaço museológico, o sucessor de Vicente Todoli afirma que o museu se baseia em dois pilares sobre os quais vão construindo toda a colecção. Primeiro, o olhar sobre os anos 60/70 "enquanto período de mudança de paradigma na arte no contexto português"; segundo "o cruzamento de olhares e gramáticas artísticas nacionais com as internacionais no mesmo período". Quanto à falta de espaço das reservas, patente nos corredores João Fernandes olha para Matosinhos como uma possível extensão. "Estamos neste momento a estudar a viabilidade de um projecto construído de raiz para acolher obras de arte". Terreno já existe. A autarquia de Matosinhos, a Caixa Geral de Depósitos e a Sonae são alguns dos parceiros estratégicos do projecto ainda em estudo e sem data pública de concretização efectiva.
Enquanto o futuro não chega, Daniela e Inês têm um 2006 bastante ocupado com mais de uma dezena de exposições temporárias em pouco por tudo o país. Entre o Centro de Artes de São João da Madeira, Figueira da Foz, Lagos ou o Teatro Municipal da Guarda, nada pode ficar pelo caminho. Todo o que sai de Serralves tem de mesmo de voltar a entrar e nas mesmas condições. "Bem, a nossa profissão é um pouco contra-natura, pois para nós o ideal seria que arte ficasse aqui fechada e não tivesse qualquer contacto com os humanos. É precisamente o oposto à ideia de museu. Por isso somos um pouco chatas", afirma Daniela. No entanto, entre cada exposição, quadros, esculturas, fotografias e instalações conhecem nas mãos destas duas "guardiãs da arte" o conforto e uma segurança singulares. É no feminino que Serralves guarda os seus tesouros. A arte, essa parece não se queixar.

Sunday, January 28, 2007

Coliseu: AMIgos à parte

Noite de revisão sonora do concerto AMIgos, ontem no Coliseu do Porto. De olho no retrovisor, o evento perdeu alguma força relativamente ao fundacional e histórico "AMIpelaASIA, de 2005. Menos bandas e mais afastadas em termos sonoros, para além, da ausência do conceito de "festa", o concerto conquistou menos público, mas mesmo assim conseguiu produzir alguns momentos singulares, com os autores do "Rock in Rio Douro" (ainda tenho o vinil) em destaque.
Apesar da aridez de repertório original, os GNR protagonizaram, de facto, o "act" da noite, com um Reininho desconcertante, endiabrado, irresistível. Com a voz a dar claros sinais de uma ansiada recuperação, Reininho sublinhou todo o carisma, magnetismo e inteligência de um verdadeiro"frontman", auxiliado pelo "dandísmo" tão querido da pop "made in Porto", conferir e/ou revisitar Pedro Abrunhosa.
Apesar do "overall" positivo, a noite reflectiu um ano pobre em termos de colheitas sonoras arrojadas. Com Toranja em "stand by", Ez Special em "coma", Pluto e Clã em "pousio", só mesmo "Fácil de Entender" dos The Gift poderia levar a noite para alguma actualidade. A ausência não só do colectivo de Alcobaça, como também dos restantes acima mencionados, deu algum espaço de manobra aos Fingertips que, discretamente, continuam a marcar pontos na nova pop e a construirem uma carreira que ainda pode surpreender muito céptico. Fica como retrato final, a atmosfera solidária e simpática de toda a gente. "Circo de Feras". "Sub 16". Sorrisos e muita solidariedade. Encontro marcado para 2008.

Thursday, January 25, 2007

AMI no Coliseu

Pelo segundo ano, a AMI invade o Coliseu do Porto para oferecer à cidade um dos mais interessantes cartazes de música "made in Portugal". Depois do sucesso em 2006, com a sala de espectáculos esgotada, este ano espera-se novamente uma atmosfera intensa, recheada de bons momentos musicais e um ambiente solidário capaz de congregar gerações numa verdadeira festa da música em prol dos mais necessitados. A ideia triunfa pela credibilidade das entidades envolvidas e pela vontade genuína de gota a gota criar um oceâno de compaixão. Conheço por dentro parte do trabalho que a AMI faz no Porto com os sem-abrigo e posso garantir que é das actividades mais nobres que alguma vez tive a oportunidade de experimentar. Daí ter uma ligação de voluntariado com este projecto da AMIarte. Sinto, com toda a sinceridade, que o Porto, a cidade e as gentes, começa a despertar para uma força cativante de ser solidário. A arte pode muito bem ser uma ferramenta e elo geracional em causas que valem mesmo a pena. Até breve.

Sunday, January 07, 2007

AMI no Estado Novo

Algumas novidades justificam a falta de actualização do "Vício". A principal chama-se AMIarte. Por convite, estou a colaborar com a Fundação AMI - Assistência Médica Internacional no desenvolvimento do projecto AMIarte. Trata-se do núcleo de acção cultural da fundação portuguesa que visa, através de eventos culturais, angariar fundos para que a AMI continue a desenvolver projectos de solidariedade e a auxilar os mais necessitados não só em "casa", como também no estrangeiro.
O próximo evento terá lugar já na próxima sexta-feira, dia 12, no espaço Estado Novo, em Matosinhos. Um concerto de rock solidário com Dr1ve, André Indiana, Blunder e Andy Torrence. Fica o cartaz com sabor a Coliseu 2006. Lembram-se. Fica o convite para a festa que promete "flavour" solidário, algumas surpresas e muita, mesmo muita animação. Encontro fica, desde já marcado. SeeU.

Thursday, December 14, 2006

Projecto A Cause hoje à noite na Fnac do NorteShopping

A Fnac do NorteShopping recebe logo à noite, a partir das 22h00, a apresentação do projecto A Cause. Trata-se de um movimento inédito de músicos, jornalistas, figuras públicas, a favor da AMI. A iniciativa produziu um CD que será colocado à venda e cujos lucros da edição revertem inteiramente a favor da AMI .

A iniciativa conseguiu o feito de reunir pela primeira vez em Portugal 36 nomes da musica Pop / Rock, juntando várias gerações de músicosm gente da arte e do espectáculo. Fica a impressionante lista de participantes neste CD:

Rui Veloso, Xutos e Pontapés e GNR, Blind Zero, Fingertips, Ez special, Mesa, Blunder, André Indiana, Renderfly, Lulla Bye, Oratory, Sloppy Joe, Feed, Dr1ve, Gray, The Fingertrips, One Time Child, StrangeVersion, Secrecy, Half Baked, Falling Eden, Jarojupe, Wipeout, Human Cycle, Nothem, Paulo Paradela, LeftOver, Blackberry, Spinning Shalk, Sally Lune, Elliot, Ironic Speech, Spitout, Bliss, Nora Luca e ainda Isabel Figueira (RTP), Fernando Alvim (Sic/Antena3), Regina Silva (Miss Fotogenia 2004), Quim Roscas e Zé Estacionancio (RTP/Best Rock),Luísa Nemésio (AMI) e José Araújo ( R.Comercial).

Foto: Paulo Freitas

Para mais informações: www.acause-pt.com

ou recordar e contextualizar nos posts anteriores do "vício": "conclave" , e "em movimento" ou "gestação"

Wednesday, December 13, 2006

Gato Fedorento - Moonspell ( Noddy )

Um dos momentos de humor mais interessantes da história da televisão portuguesa. Moonspell a tocarem "Noddy". Os "gato fedorento" a provarem, mais uma vez, que não são uma coisa do momento, mas o valor seguro, inteligente e criativo no "apimbalhado" panorama do humor nacional. Felizmente, ainda há vida depois do Herman.

"Fight Club"

Tuesday, December 12, 2006

Cinema: Clube de Combate

"An entire generation pumping gas, waiting tables: slaves with white collars. Advertising has us chasing car and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man--no purpose or place. We have no great war. No great depression. Our great war's a spiritual war. Our great depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires and movie gods and rock stars . . . but we won't. We're slowly learning that fact and we're very, very pissed off."

Saturday, December 09, 2006

Lançamento: "Um Mundo Catita"


A premiada, surpreendente e criativa equipa da inesquecível curta "I´LL SEE YOU IN MY DREAMS" encontra-se a trabalhar numa série televisiva que promete dar um abanão no mais do que cinzento panorama televisivo nacional. Inspirado em séries como THE OFFICE ou CURB YOUR ENTUSIASM, o projecto baptizado de UM MUNDO CATITA apresenta-se como uma série de ficção sobre a vida e obra de Manuel João Vieira, conhecido revolucionário, actor, pintor e candidato à presidência, vocalista dos Enapá 2000 ou Irmãos Catita. Composta por seis episódios de 30 minutos cada, a série será filmada em suporte de alta definição (HD) e película (16mm). Para além da participação do próprio Manuel João Vieira e de alguns dos membros dos grupos já mencionados, contará também com a presença de actores como João Didelet. A realização estará a cargo de Filipe Melo e João Leitão numa co-produção entre O PATO PROFISSIONAL PRODUÇÕES AUDIVISUAIS LDA e a INDIVÍDEOS. A direcção de fotografia está a cargo de Daniel Neves e Tony Costa (AIP). O lançamento está previsto para o Verão de 2007, com ante-estreia pública no início do próximo ano.
Para além do site oficial UM MUNDO CATITA, os internautas podem acompanhar a produção da série no respectivo blog.

Thursday, December 07, 2006

Pensamento: A oportunidade



"Imaginem um vasto oceano com um jugo dourado a flutuar à superfície. Nas profundezas do oceano nada uma única tartaruga cega que vem à superfície apenas uma vez em cada cem anos. Quando será que a tartaruga aparece à superfície com a cabeça dentro do jugo? O Buda afirmou que conseguir o precioso nascimento humano é ainda mais raro."

"O Caminho para a Felicidade", SS. Dalai Lama

Thursday, November 30, 2006

Petição contra o fim da Festa da Música

Depois do Rivoli, da Caixa do Jornalista, recebo hoje mais uma petição inconsequente. Desta vez contra o fim da Festa da Música. Sinceramente já começo a ficar farto de tanta petição. A própria palavra já soa a terceiro-mundismo. Não acredito no estado-providência, nem no Pai-Natal, nem que os "pedintes" necessitem do dinheiro dos meus impostos para ouvir Beethoven no CCB. Ao ler a referida petição, pergunto se não faria mais sentido uma segunda complementar a exigir que o ministério da Cultura patrocine uma segunda vinda ao Porto dos Rolling Stones. É que da primeira vez, os bilhetes foram demasiado caros para a minha carteira. E como, apesar de viver longe do CCB, também pago impostos, exigo ter o mesmo direito de acesso à cultura como qualquer outra pessoa pague 97,50 euros sem pestanejar para ver Mick Jagger.

"Pearblossom Highway", David Hockney, 1986


Na minha rádio quem manda sou eu

Minutos antes de explodir, a cultura digital contempla-se a si própria na web, deixando antever a insustentável leveza do bit num futuro cada vez mais incerto. Neste universo de impermanência visual e vertigem sonora, as novas rádios digitais afirmam-se como um dos fenómenos mais interessantes do momento, uma das experiências “internetianas” mais estimulantes e aconselháveis para quem necessita de se alimentar diariamente de música sempre fresca e natural. As consequências económico-culturais e os efeitos secundários começam agora a surpreender. Actualmente, o fenómeno já mistura músicos com ouvintes, num universo onde cada um pode ser DJ da sua própria rádio. Centenas de profissionais do som estão a encostar as guitarras à parede e a trabalhar em casa para “web radios” como Pandora, Last.fm, Lauchcast, Finetune ou Rhapsody. A função é simples, durante 25 horas por semana, os novos críticos rendem-se à ditadura dos “headfones” e catalogam músicas, classificando a tonalidade das vocalizações de Tori Amos e Kate Bush, a distorção das guitarras Joey Santiago e Johnny Greenwood, o rítmo da bateria de David Grohl e Jimmy Chamberlim. Os analistas da Pandora já conseguiram catalogar mais de 500 mil temas, do metal ao country, do pop ao rap, construíndo um gigantesco edificio digital conhecido como Music Genome Project.
Depois de catalogados, os temas são lançados na net, hiperligados por semelhanças. Assim, o ouvinte ao pontuar um tema está apurar a sua “playlist”, a personalizá-la, abrindo milhares de outras faixas previamente catalogadas com o mesmo DNA. Na Pandora, se pontar positivamente o tema ”Death Letter”, dos White Stripes, surge em seguida “Don´t Wake Daddy”, dos Tragically Hip, e “Evil Eye”, dos Dead Moon. À medida que aprova ou desaprova temas, vai construindo a sua própria playlist e conhecendo propostas novas dentro da seu espectro musical da sua eleição eleição.
Para além da subversão mais óbvia: a música passa a escutar o ouvinte - este é aliás uns dos slogans da Lauchcast da Yahoo, “Music that listens to you”, as “playlists” personalizadas transformam as “web radios” em catálogos gigantes de venda on-line. Sempre atentas à emergência na web fenómenos rentáveis, as “majors” do comércio digital, como Amazon e i-tunes são já anunciantes de peso na Pandora. Se gosta de determinada música basta um click para comprar o tema ou o álbum.
Outro dos efeitos secundários do fenómeno das “web radios”, é a transferência do poder dos animadores das rádios FM e de televisão para os novos “catalogadores” se, rosto das web rádios, que dão ao consumidor as ferramentas para ouvir música à sua medida. Um movimento cultural de descentralização e personalização que está na raíz da popularidade da própria net. Desde cedo, a web acolheu uma nova geração de “opinion makers” musicais e que, sem suporte das grandes empresas, começaram a fazer-se notar, o Pichfork é apenas um de centenas de exemplos possíveis, dos “gatekeepers” do século digital. De repente gente anónima, opina com qualidade e independência sobre novos álbuns, temas e estilos, influenciando as compras de milhares de consumidores. Os espaços “mainstream” como a todo-poderosa MTV ou radios FM começam a perder credibilidade e terreno. O consumidor tende para a novidade feita à sua medida. Essa é a grande vantagem das “web radios”. As refeições são servidas ao gosto de cada consumidor. Sem perda de tempo e em velocidade de cruzeiro, a internet continua a ser um não-espaço de quase tudo e a ter ainda muitas caixas de Pandora por abrir. Importa encontrar as chaves certas, na hora e no local certo.