Sunday, April 03, 2005

Pensamentos sobre morte e apego


"Death of Marat II", Edvard Munch, 1907 Posted by Hello
A pessoa que mais amo no mundo perdeu recentemente o pai. Há 16 dias precisamente. A perda e o luto são, estão a ser, naturalmente, violentíssimos. Ao tentar, toscamente, ser farol e abrigo em noites de tempestade negras e frias, frequentemente penso no meu próprio pai. Como, apesar dos seus 69 anos e dos mais de 300 quilómetros que nos separam, ainda o contemplo com o ser imortal e omnipresente. Como mais tarde ou mais cedo irei inevitavelmente passar pelo mesmo processo e sentir uma dor assim de forte, de insana, de arrebatadora. Há dias li um texto budista que versava sobre a impermanência. "Todos os encontros acabam inevitavelmente em separações". Frase tão pragmática como autêntica. Na verdade, começamos a morrer no dia em que nascemos. As lágrimas que choramos não são pela pessoa amada que partiu, mas sim por nós próprios, pelo facto de perdermos a presença física de alguém que julgávamos que nos pertencia. Quanto mais cedo tomar consciência da impermanência de tudo o que me rodeia, mais depressa me aproximo do verdadeiro conhecimento dos fenómenos e de uma felicidade inabalável e independente dos factores externos. O problema é que sinto que ainda não dei o primeiro passo, que se perdesse o meu pai, apesar de todo o tempo e distância que nos separa, tenho a certeza que iria achar a maior injustiça do mundo se abateu sobre mim, sentir uma dor insuportável e chorar noites longas, negras e frias de uma solidão imensa...

3 comments:

Anonymous said...

deparei-me por acaso com este texto.
perder alguém que nos diz muito, mesmo muito, ainda por cima que sempre consideramos imortal é algo que pura e simplesmente não funciona. Não deveria acontecer e sinceramente nunca iremos estar preparados para isso. Faz-nos não só pensar na nossa curta passagem, mas também em todas as pessoas que também afectamos. A morte, para quem fica, não deixa de ser momentos reflectivos, monólogos que nos fazem ser mais frios e mais down to earth. É uma merda.
Mas escrever sobre isso ajuda e tudo o que ajuda faz bem. Um abraço e força.

Anonymous said...

Sim, a morte faz-nos reflectir sobre a impermanência, sobre a posse que sentimos pelas pessoas (além do amor, claro). Obrigada pelo apoio... Estarei presente sempre que precisares :) Isabel

Anonymous said...

Obrigada pelo "a pessoa que mais amo neste mundo"... Que bom ser amada... Que bom existires na minha vida... Sinto-me infinitamente grata e como diz o poeta quando penso em ti "tropeço de ternura" Isabel http://isabelbodhisattva.blogs.sapo.pt/