O Alquimista da Aldeia
António Fontes caminha devagar. Gosta de sentir a calma das árvores e o cheiro da terra. É um ser telúrico. um homem da aldeia, um guardador de rebalhos. A sua aldeia é o mundo, as suas ovelhas são as tradições e a identidade popular de Montalegre. Ficou conhecido por organizar o Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes, mas por detrás dessa "imagem de marca" existe um ser detentor da sabedoria profunda do tempo e da magia serena e simples unicamente acessível a quem consegue ver Deus nas pequenas coisas.
"Vejo-me como um homem da aldeia". Uma aldeia onde rituais, preces e festas se misturam com o árduo trabalho do campo e com a aspereza rude do clima transmontano. António Fontes nasceu numa aldeia, Candezes do Rio, vive em Vilar de Perdizes e não troca a sua aldeia por nenhum palácio dourado. Recebe os amigo com presunto no verão e castanhas no inverno. É genuíno, sereno e gosta de pequenos rituais como a "queimada". Coloca o açucar no fundo do pote, rega-o com bagaço e incendeia-o. Depois verte lentamente um fio de vinho tinto, espreme umas gotas de limão e introduz, com uma atenção e cuidado cirúrgicos, pedaços de maçã e um ponhado de grãos de café. As chamas purificadoras elevam-se no ar e transformadas numa cascada de fogo subtraem ao espírito a malignidades indesejada, adicionando ao corpo a vitalidade necessária para enfrentar a dureza de mais uma jornada.
O padre Fontes gosta de servi e de ser para os outros uma extensão, uma elo e um sinal de Deus. Gosta de gerar comunhão numa utilidade ritualizada em cada gesto em cada palavra. Ao realizar "a queimada" esbatem-se as ténues fronteiras entre sagrado e profano. "O que é tido como sagrado é muitas vezes metido entre paredes e lugares sagrados, como é o caso de igrejas, capelas ou santuários, mas o sagrado passa para fora desses espaços. Existe sagrado misturado com o profano, que é o sagrado da rua, dos cafés do trabalho, e que vai com o homem e a onde está o homem está Deus", afirma.
A sua paixão pelos rituais presentes na sabedoria do quotidiano da gente simples acompanhou de mão dado o seu desejo de ser sacerdote, desde tenra idade. Aos 19 anos, ainda no seminário de Vila Real, dinamizava, paralelamente aos ritos comuns, actividades semi-ocultas, semi-públicas, semi-privadas, semi-legais que lhe custaram a expulsão. "Uma festa sagrada - explica - é composta por partes profanas e a fasta profana é composta pelo seu inverso. Acharam que eu fui a parte profana e não a parte sagrada". Convidado a reentrar, sentiu um novo alento e uma nova confiança . Prosseguiu os seus estudos de teologia e abraçou o sacerdócio em 1961. "Optei por continuar no seminário com esta olusão de fazer da Igreja uma Igreja mais viva."
Actualmente dedica-se a promover, divulgar e interpretar a cultura popular da região de Montalegre, que permanecia esquecida no anonimato. Na realidade, ninguém tinha falar de Vilar de Perdizes até o padre Fontes organizar os polémicos e mediáticos congressos de medicina popular que lhe valeram algumas repreensões por parte do episcopado, nada a que desde jovens já não tivesse habituado. "Aproveitei os congressos - diz - como um trampolim para revitalizar a aldeia e para chamar a atenção da opinião pública para uma zona carenciada e abrir as portas ao mundo para aquela zona através da cultura popular."
Uma cultura presente nas gentes que pisam o chão da sua aldeia. O padre Fontes é um homem que olha para o mundo como "o espaço onde Deus habita e o homem coabita" e vê em Deus uma paragem obrigatória ruma à felicidade. "Se o homem descobre que o mundo está habitado por Deus pode fazer o paraíso na Terra, se não descobre Deus faz o inferno para ele e para os outros", afirma. Mas descobrir Deus num mundo cada vez mais complexo não é tarefa fácil. A nossa aldeia global tem múltiplas cidades e guetos, tem labirintos de alienação, egos do tamanho de catedrais e mensagens trocadas, obstáculos que ocultam o divino, escravizando o humano. "Há mais tentativas para ocultar o divino do que para o mostrar. É necessário parar um pouco, olhar para o caminho e ver se vale a pena ir."
Gosta de ler e de sentir. Gosta de aprender. Actualmente tem entre mãos uma tese de mestrado em comunicação social para avaliar. Foi convidado como júri pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Livros de cabeceira não tem. Não gosto de ler na cama, mas de vez em quando pega, pega em três livros italianos sobre a etnografia dos Alpes e lê excertos até que o sonho vença e acabe por adormecer. Os seus temas preferidos giram em torno da etnografia, antropologia, sociologia e religião popular.
O padre António Fontes tem 61 anos e é um homem da aldeia, um guardador de rebalhos. A sua aldeia é cada vez mais o mundo, e as suas ovelhas as tradições. Retira da Terra e do Céu a essência das coisas simples em rituais feitos de alteridade, alquimia e muita fé.
"Vejo-me como um homem da aldeia". Uma aldeia onde rituais, preces e festas se misturam com o árduo trabalho do campo e com a aspereza rude do clima transmontano. António Fontes nasceu numa aldeia, Candezes do Rio, vive em Vilar de Perdizes e não troca a sua aldeia por nenhum palácio dourado. Recebe os amigo com presunto no verão e castanhas no inverno. É genuíno, sereno e gosta de pequenos rituais como a "queimada". Coloca o açucar no fundo do pote, rega-o com bagaço e incendeia-o. Depois verte lentamente um fio de vinho tinto, espreme umas gotas de limão e introduz, com uma atenção e cuidado cirúrgicos, pedaços de maçã e um ponhado de grãos de café. As chamas purificadoras elevam-se no ar e transformadas numa cascada de fogo subtraem ao espírito a malignidades indesejada, adicionando ao corpo a vitalidade necessária para enfrentar a dureza de mais uma jornada.
O padre Fontes gosta de servi e de ser para os outros uma extensão, uma elo e um sinal de Deus. Gosta de gerar comunhão numa utilidade ritualizada em cada gesto em cada palavra. Ao realizar "a queimada" esbatem-se as ténues fronteiras entre sagrado e profano. "O que é tido como sagrado é muitas vezes metido entre paredes e lugares sagrados, como é o caso de igrejas, capelas ou santuários, mas o sagrado passa para fora desses espaços. Existe sagrado misturado com o profano, que é o sagrado da rua, dos cafés do trabalho, e que vai com o homem e a onde está o homem está Deus", afirma.
A sua paixão pelos rituais presentes na sabedoria do quotidiano da gente simples acompanhou de mão dado o seu desejo de ser sacerdote, desde tenra idade. Aos 19 anos, ainda no seminário de Vila Real, dinamizava, paralelamente aos ritos comuns, actividades semi-ocultas, semi-públicas, semi-privadas, semi-legais que lhe custaram a expulsão. "Uma festa sagrada - explica - é composta por partes profanas e a fasta profana é composta pelo seu inverso. Acharam que eu fui a parte profana e não a parte sagrada". Convidado a reentrar, sentiu um novo alento e uma nova confiança . Prosseguiu os seus estudos de teologia e abraçou o sacerdócio em 1961. "Optei por continuar no seminário com esta olusão de fazer da Igreja uma Igreja mais viva."
Actualmente dedica-se a promover, divulgar e interpretar a cultura popular da região de Montalegre, que permanecia esquecida no anonimato. Na realidade, ninguém tinha falar de Vilar de Perdizes até o padre Fontes organizar os polémicos e mediáticos congressos de medicina popular que lhe valeram algumas repreensões por parte do episcopado, nada a que desde jovens já não tivesse habituado. "Aproveitei os congressos - diz - como um trampolim para revitalizar a aldeia e para chamar a atenção da opinião pública para uma zona carenciada e abrir as portas ao mundo para aquela zona através da cultura popular."
Uma cultura presente nas gentes que pisam o chão da sua aldeia. O padre Fontes é um homem que olha para o mundo como "o espaço onde Deus habita e o homem coabita" e vê em Deus uma paragem obrigatória ruma à felicidade. "Se o homem descobre que o mundo está habitado por Deus pode fazer o paraíso na Terra, se não descobre Deus faz o inferno para ele e para os outros", afirma. Mas descobrir Deus num mundo cada vez mais complexo não é tarefa fácil. A nossa aldeia global tem múltiplas cidades e guetos, tem labirintos de alienação, egos do tamanho de catedrais e mensagens trocadas, obstáculos que ocultam o divino, escravizando o humano. "Há mais tentativas para ocultar o divino do que para o mostrar. É necessário parar um pouco, olhar para o caminho e ver se vale a pena ir."
Gosta de ler e de sentir. Gosta de aprender. Actualmente tem entre mãos uma tese de mestrado em comunicação social para avaliar. Foi convidado como júri pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Livros de cabeceira não tem. Não gosto de ler na cama, mas de vez em quando pega, pega em três livros italianos sobre a etnografia dos Alpes e lê excertos até que o sonho vença e acabe por adormecer. Os seus temas preferidos giram em torno da etnografia, antropologia, sociologia e religião popular.
O padre António Fontes tem 61 anos e é um homem da aldeia, um guardador de rebalhos. A sua aldeia é cada vez mais o mundo, e as suas ovelhas as tradições. Retira da Terra e do Céu a essência das coisas simples em rituais feitos de alteridade, alquimia e muita fé.
3 comments:
sempre tive curiosidade por conhecer esse senhor... ele é mesmo um homem sério? k histórias deve ter pa contar... e k histórias tu deves ter pa contat também...
Um texto cheio de sabores. Fiquei com vontade de que este António me fizesse a "queimada" que é descrita de forma quase mágica. E apetece-me agora tirar o quase. Nunca tinha pensado nessa perspectiva de se esbater o sagrado e o profano, da forma como o Padre Fontes a apresenta, com simplicidade e doçura. E com magia, vale a pena usar a palavra. Confesso que foi com um olhar carregado de preconceito que me habituei a olhar para o congresso de Vilar de Perdizes. Ao longo dos anos, em vez de tentar perceber de que tratava realmente esse encontro, ou de ir lá, simplesmente pensava nele como uma grande misturada, em que o número de charlatões, de personagens sinistras abundava. Vejo que o contraste da minha visão, da tacanhez com que arrumei na minha cabeça o que se passa num sítio que não conheço e nunca quis visitar, o contraste entre o meu preconceito e a abertura, o olhar curioso e aberto da pessoa que organiza e concebeu aquele congresso é grande. Ao longo deste texto há religiosidade, beleza, uma personalidade que apetece conhecer. É um texto belíssimo. Com um ritmo, uma respiração muito serena, que vai dando a conhecer uma pessoa muito bonita de um forma muito, muito bela. Fico mesmo com vontade de conhecer este António, "guardador de rebanhos".
querido anarresti sabes melhor do que eu que a beleza reside nos olhos daquele que a contempla. Gracias pelos elogios, vindos de ti são tesouros... bjs
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