Tuesday, March 15, 2005

A filosofia de Tino Navarro


"Um Tiro no Escuro", filme de Leonel Vieira Posted by Hello

É já na próxima quinta-feira que estreia em Portugal a mais recente produção de Tino Navarro, "Um Tiro No Escuro". Não posso comentar a qualidade da proposta realizada pelo seguríssimo Leonel Vieira, pois ainda não tive a oportunidade de assisitir à antestreia. No entanto, na semana do Fantasporto, travei-me de razões com Tino Navarro, uma das figuras em homenagem na versão 05 do certame, e foi uma das pessoas que sinceramente mais gostei de conhecer. Para além da clareza de pensamento, agradou-me sobretudo a humildade e a forma profissional e humana como comanda suas produções e gere os egos de realizadores e actores. Sem nunca perder de vista as temáticas sociais, Navarro, que nasceu em Vila Flor, conhece e não esquece, o que ainda é mais raro, o Portugal profundo. Através de propostas cinematográficas indubitavelmente comerciais tenta, e não raras vezes consegue, comunicar com as massas, dizer o que pensa, sente e sonha. Das temáticas da droga, em "Tentação", às utopias de Cunhal, na excelente mini-série "Até Amanhã Camaradas", Navarro preocupa-se com o concreto. Recordo que a propósito da "Tentação", o produtor confessou que sentiu necessidade de abordar a temática da toxicodependência a partir de uma notícia que leu, na qual uma mãe, já idosa, habitante de uma aldeia do Portugal rural, foi entregar-se a uma esquadra da GNR. A história que a senhora contou às autoridades foi desconcertante. A velhota tinha um único filho que era tóxicodependente. Perante a incapacidade de o curar e ao conviver diariamente com a espiral de autodestruição e sofrimento do filho, acabou por pegar numa caçadeira e assassinar o próprio filho enquanto este dormia, na cama de sua casa.
No meio cinematográfico, Navarro tem fama de ditador, mas é no respeito pelo esforço e na responsabilidade social e humana que nasce uma exigência com a qual Portugal infelizmente ainda não se habituou a conviver. Apesar de sinceramente não me atrair grande parte das suas propostas, aplaudo a capacidade, o talento e a urgência de também em Portugal haver quem seja capaz de produzir cinema para todos, sem estar constantemente a queixar-se e a mendigar subsídios para depois fazer cinema para o umbigo. Necessitamos de ter uma indústria cinematográfica autosuficiente. O público português precisa de se reconciliar com o seu cinema. A àrea comercial, mais do que qualquer outra, tem uma palavra a dizer neste contexto. Gosto de Oliveira, adoro Canijo, admiro Rocha, mas duas ou três andorinhas não fazem uma Primavera, que necessita de flores, cores e aromas para todos os gostos.

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