Jorge Palma aqui no "Norte"
"Norte" de Jorge Palma dispara em várias direcções, da política de Humberto Delgado à poesia de Al Berto, mas nem sempre acerta no alvo. Ao vivo as munições são outras e os danos colaterais mais graves. Ontem, ao final da tarde, numa Fnac do Norteshopping completamente esgotada, Palma ofereceu uma amostra"live" e centenas autógrafos. Alguns dos temas que no disco ameaçam morrer asfixiados pela banalidade melódica, ao vivo adquirem uma bolsa de ar e ressuscitam de forma algo surpreendente. No entanto, apesar da voz já começar a ceder, o charme junto de um novo público "teenager"parece ser cada vez mais forte.
Sozinho em palco, obedecendo ao alinhamento do CD, "Passeio dos Prodígios" confirma-se como uma espécie de introdução ao piano, tipo "Imagine" de Lennon, pouco generosa em termos de originalidade, enquanto o tiro em direcção à globalização, inspirado da frase de Saramago, "Optimista Céptico", ironizando, desde logo, com a industrialização cultural e a esquizofrenia da comunicação, não escapa ileso aos arranjos das teclas de Miguel Ferreira, que transformam a melodia num tema pop que, apesar do selo de qualidade dos Clã, não deixa de ser um objecto estranho no Planeta Palma.
"Os Demitidos", uma das composições mais fortes do registo, ao vivo adquire uma intensidade superior, recuperando o melhor das melodias de Palma e numa ironia involuntária acabando mesmo por se revestir de uma actualidade superlativa em versos como "e assim vamos vivendo/na província dos obséquios/cedendo e pactuando enquanto der/filósofos sem arte/afugentamos o desejo/temos preguiça de viver/ Estás demitido, obviamente demitido". Finalmente, destaque para o tema mais interessante de todo o álbum. "Demónios Interiores", escrito por Carlos Tê. Um confronto psicológico, irónico e delirante com os "lados lunares" do ser humano, num jantar de digestão apesar de difícil necessária. Será, certamente, um dos clássicos a acrescentar a legado de Palma entre "Jeremias", "Bairro do Amor", "Dá-me Lume", e tantos outros. Ontem foram os "Demónios" que encerram o concerto, arrebatando o muito público que apanhou com uma hora de boa música cantada em português.
PS: A meio do concerto, ao meu lado, uma adolescente, ao ouvir o verso "é a dança mais pungente, mão a trás e outra à frente", d´"A Valsa dum Homem Carente", interroga a amiga: "Pungente? O que é que isso é?" Ao que a companheira responde: "Não sei, mas deve ter qualquer coisa a ver com pus. A mim lembra-me pus".
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