Friday, December 03, 2004

O triunfo do urinol

Segundo a edição de ontem do "The Guardian", um júri de notáveis do mundo da arte considerou o urinol de Marcel Duchamp,"Fountain", o mais influente trabalho de Arte Moderna. O provocativo e desvalorizado "readymade" do artista parece finalmente, volvidas mais oito décadas, ter encontrado um inesperado reconhecimento internacional através de um prestigiado painel de jurados composto por de artistas, críticos, curadores e negociantes de arte comissariados pelo patrocinador do Turner Prize, a Gordon´s.
Ao ter conhecimento desta notícia fui de imediato as minhas prateleiras para contextualizar o fenómeno e encontrei a obra "Marcel Duchamp - Engenheiro do Tempo Perdido", a tão célebre quanto polémica entrevista de Duchamp ao não menos reconhecido Pierre Cabanne (ed. Assírio & Alvin), da qual tomo a liberdade de transcrever uma breve passagem. As conclusões ficam a cargo da moderna subjectividade individual.
"-Em Abril de 1916 participou numa exposição em Nova Iorque, chamada "Quatro Mosqueteiros", os outros três era Crotti, Metzinger e Gleizes. Estava também entre os fundadores da Sociedade dos Independentes e apresentou na primeira exposição um urinol intitulado Fountain, assinado R. Mutt, que foi recusado.
-Não, recusado não. Não se podia recusar uma obra nos Independentes.
-Digamos que ela não foi admitida.
-Foi simplesmente suprimida. Eu estava no júri, mas não fui consultado, porque os jurados não sabiam que fora eu quem o tinha enviado; escrevi o nome Mutt para evitar quaisquer relações com coisas pessoais. A Fountain foi simplesmente colocada atrás de uma divisória e, durante toda a exposição, eu não sabia onde estava. Não podia dizer que eu próprio tinha enviado esse objecto, mas suponho que os organizadores o sabiam pelos boatos. Ninguém ousou comentar. Fiquei aborrecido com eles e retirei-me da organização. Depois da exposição, encontrámos a Fountain atrás da divisória e recuperei-a!
-É um pouco a mesma aventura por que passara no Salão dos Independentes de 1912, de Paris.
-Exactamente. Não conseguia fazer nada que fosse aceite de imediato, mas isso não tinha importância para mim.
-Diz isso agora, mas na altura...?
-Não, não, pelo contrário. Era assim mesmo, bastante provocante.
-Então, desde que tivesse procurado o escândalo, estava contente?
-Foi, com efeito, um êxito. Neste sentido.
-No fundo, ficaria desapontado se a Fountain fosse bem recebida...
-Quase. Na época gostei muito. E depois, na verdade, não tinha muito a atitude tradicional do artista que apresenta o seu quadro, que quer ser aceite e depois louvado pelos críticos. Nunca houve uma crítica porque o urinol não aparecia no catálogo.
-Arensberg comprou-o mesmo assim...
-Sim e perdeu-o. Foi feita uma réplica em tamanho natural que está na Galeria Schwartz."

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