Thursday, December 14, 2006

Projecto A Cause hoje à noite na Fnac do NorteShopping

A Fnac do NorteShopping recebe logo à noite, a partir das 22h00, a apresentação do projecto A Cause. Trata-se de um movimento inédito de músicos, jornalistas, figuras públicas, a favor da AMI. A iniciativa produziu um CD que será colocado à venda e cujos lucros da edição revertem inteiramente a favor da AMI .

A iniciativa conseguiu o feito de reunir pela primeira vez em Portugal 36 nomes da musica Pop / Rock, juntando várias gerações de músicosm gente da arte e do espectáculo. Fica a impressionante lista de participantes neste CD:

Rui Veloso, Xutos e Pontapés e GNR, Blind Zero, Fingertips, Ez special, Mesa, Blunder, André Indiana, Renderfly, Lulla Bye, Oratory, Sloppy Joe, Feed, Dr1ve, Gray, The Fingertrips, One Time Child, StrangeVersion, Secrecy, Half Baked, Falling Eden, Jarojupe, Wipeout, Human Cycle, Nothem, Paulo Paradela, LeftOver, Blackberry, Spinning Shalk, Sally Lune, Elliot, Ironic Speech, Spitout, Bliss, Nora Luca e ainda Isabel Figueira (RTP), Fernando Alvim (Sic/Antena3), Regina Silva (Miss Fotogenia 2004), Quim Roscas e Zé Estacionancio (RTP/Best Rock),Luísa Nemésio (AMI) e José Araújo ( R.Comercial).

Foto: Paulo Freitas

Para mais informações: www.acause-pt.com

ou recordar e contextualizar nos posts anteriores do "vício": "conclave" , e "em movimento" ou "gestação"

Wednesday, December 13, 2006

Gato Fedorento - Moonspell ( Noddy )

Um dos momentos de humor mais interessantes da história da televisão portuguesa. Moonspell a tocarem "Noddy". Os "gato fedorento" a provarem, mais uma vez, que não são uma coisa do momento, mas o valor seguro, inteligente e criativo no "apimbalhado" panorama do humor nacional. Felizmente, ainda há vida depois do Herman.

"Fight Club"

Tuesday, December 12, 2006

Cinema: Clube de Combate

"An entire generation pumping gas, waiting tables: slaves with white collars. Advertising has us chasing car and clothes, working jobs we hate so we can buy shit we don't need. We're the middle children of history, man--no purpose or place. We have no great war. No great depression. Our great war's a spiritual war. Our great depression is our lives. We've all been raised on television to believe that one day we'd all be millionaires and movie gods and rock stars . . . but we won't. We're slowly learning that fact and we're very, very pissed off."

Saturday, December 09, 2006

Lançamento: "Um Mundo Catita"


A premiada, surpreendente e criativa equipa da inesquecível curta "I´LL SEE YOU IN MY DREAMS" encontra-se a trabalhar numa série televisiva que promete dar um abanão no mais do que cinzento panorama televisivo nacional. Inspirado em séries como THE OFFICE ou CURB YOUR ENTUSIASM, o projecto baptizado de UM MUNDO CATITA apresenta-se como uma série de ficção sobre a vida e obra de Manuel João Vieira, conhecido revolucionário, actor, pintor e candidato à presidência, vocalista dos Enapá 2000 ou Irmãos Catita. Composta por seis episódios de 30 minutos cada, a série será filmada em suporte de alta definição (HD) e película (16mm). Para além da participação do próprio Manuel João Vieira e de alguns dos membros dos grupos já mencionados, contará também com a presença de actores como João Didelet. A realização estará a cargo de Filipe Melo e João Leitão numa co-produção entre O PATO PROFISSIONAL PRODUÇÕES AUDIVISUAIS LDA e a INDIVÍDEOS. A direcção de fotografia está a cargo de Daniel Neves e Tony Costa (AIP). O lançamento está previsto para o Verão de 2007, com ante-estreia pública no início do próximo ano.
Para além do site oficial UM MUNDO CATITA, os internautas podem acompanhar a produção da série no respectivo blog.

Thursday, December 07, 2006

Pensamento: A oportunidade



"Imaginem um vasto oceano com um jugo dourado a flutuar à superfície. Nas profundezas do oceano nada uma única tartaruga cega que vem à superfície apenas uma vez em cada cem anos. Quando será que a tartaruga aparece à superfície com a cabeça dentro do jugo? O Buda afirmou que conseguir o precioso nascimento humano é ainda mais raro."

"O Caminho para a Felicidade", SS. Dalai Lama

Thursday, November 30, 2006

Petição contra o fim da Festa da Música

Depois do Rivoli, da Caixa do Jornalista, recebo hoje mais uma petição inconsequente. Desta vez contra o fim da Festa da Música. Sinceramente já começo a ficar farto de tanta petição. A própria palavra já soa a terceiro-mundismo. Não acredito no estado-providência, nem no Pai-Natal, nem que os "pedintes" necessitem do dinheiro dos meus impostos para ouvir Beethoven no CCB. Ao ler a referida petição, pergunto se não faria mais sentido uma segunda complementar a exigir que o ministério da Cultura patrocine uma segunda vinda ao Porto dos Rolling Stones. É que da primeira vez, os bilhetes foram demasiado caros para a minha carteira. E como, apesar de viver longe do CCB, também pago impostos, exigo ter o mesmo direito de acesso à cultura como qualquer outra pessoa pague 97,50 euros sem pestanejar para ver Mick Jagger.

"Pearblossom Highway", David Hockney, 1986


Na minha rádio quem manda sou eu

Minutos antes de explodir, a cultura digital contempla-se a si própria na web, deixando antever a insustentável leveza do bit num futuro cada vez mais incerto. Neste universo de impermanência visual e vertigem sonora, as novas rádios digitais afirmam-se como um dos fenómenos mais interessantes do momento, uma das experiências “internetianas” mais estimulantes e aconselháveis para quem necessita de se alimentar diariamente de música sempre fresca e natural. As consequências económico-culturais e os efeitos secundários começam agora a surpreender. Actualmente, o fenómeno já mistura músicos com ouvintes, num universo onde cada um pode ser DJ da sua própria rádio. Centenas de profissionais do som estão a encostar as guitarras à parede e a trabalhar em casa para “web radios” como Pandora, Last.fm, Lauchcast, Finetune ou Rhapsody. A função é simples, durante 25 horas por semana, os novos críticos rendem-se à ditadura dos “headfones” e catalogam músicas, classificando a tonalidade das vocalizações de Tori Amos e Kate Bush, a distorção das guitarras Joey Santiago e Johnny Greenwood, o rítmo da bateria de David Grohl e Jimmy Chamberlim. Os analistas da Pandora já conseguiram catalogar mais de 500 mil temas, do metal ao country, do pop ao rap, construíndo um gigantesco edificio digital conhecido como Music Genome Project.
Depois de catalogados, os temas são lançados na net, hiperligados por semelhanças. Assim, o ouvinte ao pontuar um tema está apurar a sua “playlist”, a personalizá-la, abrindo milhares de outras faixas previamente catalogadas com o mesmo DNA. Na Pandora, se pontar positivamente o tema ”Death Letter”, dos White Stripes, surge em seguida “Don´t Wake Daddy”, dos Tragically Hip, e “Evil Eye”, dos Dead Moon. À medida que aprova ou desaprova temas, vai construindo a sua própria playlist e conhecendo propostas novas dentro da seu espectro musical da sua eleição eleição.
Para além da subversão mais óbvia: a música passa a escutar o ouvinte - este é aliás uns dos slogans da Lauchcast da Yahoo, “Music that listens to you”, as “playlists” personalizadas transformam as “web radios” em catálogos gigantes de venda on-line. Sempre atentas à emergência na web fenómenos rentáveis, as “majors” do comércio digital, como Amazon e i-tunes são já anunciantes de peso na Pandora. Se gosta de determinada música basta um click para comprar o tema ou o álbum.
Outro dos efeitos secundários do fenómeno das “web radios”, é a transferência do poder dos animadores das rádios FM e de televisão para os novos “catalogadores” se, rosto das web rádios, que dão ao consumidor as ferramentas para ouvir música à sua medida. Um movimento cultural de descentralização e personalização que está na raíz da popularidade da própria net. Desde cedo, a web acolheu uma nova geração de “opinion makers” musicais e que, sem suporte das grandes empresas, começaram a fazer-se notar, o Pichfork é apenas um de centenas de exemplos possíveis, dos “gatekeepers” do século digital. De repente gente anónima, opina com qualidade e independência sobre novos álbuns, temas e estilos, influenciando as compras de milhares de consumidores. Os espaços “mainstream” como a todo-poderosa MTV ou radios FM começam a perder credibilidade e terreno. O consumidor tende para a novidade feita à sua medida. Essa é a grande vantagem das “web radios”. As refeições são servidas ao gosto de cada consumidor. Sem perda de tempo e em velocidade de cruzeiro, a internet continua a ser um não-espaço de quase tudo e a ter ainda muitas caixas de Pandora por abrir. Importa encontrar as chaves certas, na hora e no local certo.

Wednesday, November 29, 2006

"Naked Man on the Bed", Lucian Freud


O artista dos artistas

Grayson Perry assina hoje no "Times" um curioso artigo "A ragbag Top Ten, brought to you by the art world's angry brigade". A organização do Great Art Fair, evento que reune a partir de amanhã até domingo, no Alexandra Palace, centenas de artistas, realizou um interessante inquérito a 500 dos seus participantes. A ideia é saber quais são os 10 artistas vivos ou mortos mais influentes.

O resultado foi surpreendente:

1. Lucian Freud

2. Howard Hodgkin

3. David Hockney

4. J. M. W. Turner

5. Antoni Tapies

6. Rembrandt

7. Jack Vettriano

8. Barbara Rae

9. Frank Auerbach

10. Vincent Van Gogh


É óbivo que este tipo de "tops" acabam sempre por ser bastante subjectivo, no entanto, não deixa de ser arrepiante a ausência de figuras como Marcel Duchamp ou Pablo Picaso.

Filmes da minha vida: "A Janela Indiscreta" (Rear Window), de Alfred Hitchcock

O cinema também tem os seus génios, Alfred Hitchcock é um deles. Os primeiros sete minutos d´"A Janela Indiscreta" fazem parte do "best of" da minha cinemateca.

Monday, November 27, 2006

Partilha: Como deixei de fumar

Deixei de fumar e de beber álcool. Provavelmente das incontáveis decisões que tomei em 32 anos de vida, estas duas, estão, indubitavelmente, no "top ten" das mais acertadas. Os resultados positivos ao nível da saúde, da mente, do espírito e das finanças não se fizeram esperar, são imeditados. Esta é uma realidade inquestionável. Em todo este processo observei alguns fenómenos que podem ser úteis para quem está a pensar em deixar de fumar. É unicamente com essa intenção que escrevo este texto e por acreditar, sinceramente, que se eu consegui, qualquer pessoa também pode conseguir, pois, acreditem não tenho uma força de vontade particularmente grande ou uma elevação de espírito fora do comum, bem pelo contrário.

Devo começar por dizer que não acredito que seja ideal deixar de fumar com reduções ou medicamentos. Tomar pastilhas, contar cigarros e coisas do género. Já tentei e não resultou. Para mim as reduções são como chegar a uma bifurcação e meter um pé em cada caminho. Não se vai a lado nenhum ou, na melhor da hipóteses, caminha-se devagar ao pé coxinho. Quando se tira um adesivo da pele, o ideal o que este saia o mais depressa possível. Também não acredito em medicamentos de substituição, exactamente pelo mesmo princípio, o de continuarem a injectar nicotina. O nosso corpo naturalmente sabe o que é melhor para nós. Se necessitássemos de nicotina para viver não teria deixado de fumar, nem estaria a escrever este texto.

É ridículo, depois de ter deixado de fumar, encontrar pessoas que têm uma autoconfiança muito maior do que a minha a dizerem-me que não possuem força suficiente para deixar de fumar. É um engano induzido na mente pela nicotina. Sempre que pensava, mesmo superficialmente, em deixar de fumar, a nicotina levantava-se e dizia-me exactamente a mesma coisa, que não iria conseguir, que não era capaz, o melhor é desistir da ideia o mais depressa possível, deixar as coisas como estão porque para deixar de fumar é necessário ter uma força de vontade enorme, algo que obivamente não tenho. É necessário ultrapassar esta mentira e olhar para a realidade de forma objectiva. Prova de que é mesmo uma mentira é que deixei de fumar. Qualquer ser humano é capaz de deixar de fumar. Durante muitos anos acreditei erradamente que não conseguia. É incrível como esta ilusão, esta mentira, do "não consigo, não é para mim", é tão poderosa. Milhares de fumadores com mais força de vontade do que eu ainda acreditam nela e, apesar de quererem deixar de fumar e de terem todas as capacidades para o fazerem, continuam a acender cigarros simplesmente por que esta mentira, como um pano negro, os impede de ver a força interior que na realidade possuem.
Não fumar vai de encontro à verdadeira natureza do corpo e da mente. O ser humano naturalmente não fuma. Deixar de fumar custa, exige esforço, mas a natureza está do nosso lado. Esse esforço não é tão grande quanto a nicotina nos faz acreditar. Ao longo do processo vamos tendo consciência disso mesmo. Ela exagera pois sente-se desde logo ameaçada. Sabe que a sua vida está em perigo, tenta proteger-se. Não está a pensar em nós, no nosso bem estar, mas no dela. Na verdade, o nosso bem estar, a nossa saúde passam precisamente pelo caminho oposto, por não fumar, por expulsar a nicotina do nosso organismo. Ela conhece o nosso verdadeiro poder, sabe que somos capazes, sabe a força verdadeira da nossa natureza e da nossa capacidade de escolhermos o melhor para nós próprios, sabe que temos todas as ferramentas e a força necessárias para deixar de fumar, para mudar de caminho. E isso assusta-a. Quanto maior é a nossa consciência do medo maior é a nossa capacidade de o vencer. A nicotina sabe disso, dai jogar com essa arma, esse trunfo, essa mentira, do não és capaz de me vencer, de me olhar nos olhos, de me expulsares de ti, do teu organismo. Na verdade, trata-se de um processo de purificação muito parecido com um exorcismo. A relação entre fumador e nicotina é de poder pela conquista e domínio de um espaço. A nicotina é tão inteligente que, em alguns casos, mexe com a auto-estima e com o ego do fumador, colocando como credível a possibilidade da nossa vitória, mas num futuro suficientemente distante e improvável para não termos de fazer nada e continarmos como estamos, convencendo-nos, por exemplo, que só com um grande susto, uma doença grave, é que seriamos capazes de deixar de fumar. Nada mais falso. As motivações para deixar de fumar são internas e não externas. Milhares de pessoas deixam drogas duras, superam situações bem mais complicadas, simplesmente por que se mentalizaram de que é necessário escolher a vida. Afinal quem manda em si? Na realidade, certamente já passou por situações objectivamente mais complicadas e difíceis, que exigiram esforços superiores ao de deixar de fumar. Deixar de fumar está ao alcance de qualquer pessoa. E antes de ser fumador, é-se a pessoa, esta é a primeira grande verdade que é necessário acreditar, interiorizar, mentalizar.

Estou convencido que o sucesso no deixar de fumar reside essencialmente na interiorização de factores internos (convicções e crenças) e não tanto em "coisas" externas (amigos, medicamentos). Num terramoto não é a pintura da fachada da casa que vai manter o edifício em pé, mas sim a profundidade e solidez dos alicerces. Então antes de deixar de fumar importa identificar as convicções que nos podem ajudar e servir de alicerces nos dias de tempestade. Para tal, basta olhar para a realidade como ela é e não como gostariamos que ela fosse.
Vamos reparar que na realidade o ser humano não foi feito para fumar. Ao deixar de fumar, a natureza está do seu lado. E é um aliado muito poderoso. O nosso corpo irá naturalmente expelir, expulsar a nicotina. Na realidade, o nosso corpo e a nossa mente não só não necessitam da nicotina, como também vivem ou ansiam viver muito melhor sem ela. Deixar de fumar é por isso um acto lógico, ajuda o nosso corpo e mente a encontrarem a harmonia e o equilibrio próprias da sua natureza mais profunda. Na verdade, nunca ninguém morreu por deixar de fumar, bem pelo contrário, milhares de pessoas, morrem diariamente precisamente pelo movimento oposto, por fumarem. Ao deixar de fumar está a ir de encontro à vida, à realidade mais básica e elementar da sua existência.

Tal como a primeira mentira do "não tens força para conseguir", quando deixei efectivamente de fumar, a nicotina começou passados 15 minutos a atirar-me com outra mentira: a pedir-me mais nicotina como esta fosse a coisa mais importante para mim, algo essencial para a minha sobrevivência. Tive logo vontade de acender um cigarro. Esta vontade é sinal que de se está no bom caminho. Na realidade, a vontade de fumar é um grito de desespero da nicotina que encostada contra a parede, vê que está a morrer e grita por ajuda. Esse grito materializa-se numa sensação de cobiça por mais nicotina. Se você a ajudar está desde logo a multiplica-lhe a força. Importa estar preparado para esta sensação, para estes gritos, pois ao vencê-los estamos a dar um passo muito importante, essencial mesmo, para nos libertarmos desse inimigo. Para vencer essa sensação de cobiça, em vez de ignorá-la, importa conhecê-la, olhar de frente para a sua verdadeira natureza. Na realidade, se pararmos um pouco e olharmos para essa sensação, tomamos consciência de três verdades que, para mim foram essenciais para deixar de fumar.
Primeira: a verdadeira natureza das sensações é serem impermanentes, serem passageiras, elas desaparecerem tão rapidamente quanto aparecem. O vontade de fumar não é excepção. A vontade de fumar, como cobiça, ergue-se como se fosse uma montanha intransponivél para passados apenas cinco ou dez minutos desaparecer e transformar-se num vale pleno de paz. Não vale a pena ceder a algo que cuja natureza é tão inconsistente, volátil, que aparece e desaparece passados apenas alguns minutos.
Segunda: quando observada objectivamente, para além de passageira, a natureza da vontade de fumar diminui de intensidade com o passar do tempo.
Terceira: o nosso organismo funciona naturalmente melhor sem nicotina e na realidade não necessitamos de fumar. Ninguém morreu por ter deixado de fumar, bem pelo contrário. O normal no ser humano é não fumar.

Para mim, estas três verdades fundamentais dos fenómenos sensitivos ajudaram-me bastante no processo deixar de fumar. Sempre que sentia vontade de fumar, limitava-me a olhavar para essa vontade e pensava que passados cinco minutos ela iria desaparecer. O que na realidade acontecia. Com o tempo, a vontade de acender um cigarro vai diminuindo. Se olharmos ainda mais fundo para a verdadeira natureza das sensações podemos ver que estas são apenas movimentos inconstantes e perpétuos de átomos, não são instrinsecamente agradáveis ou desagradáveis, nós é que desenvolvemos com elas relação de repulsa ou de apego.

No entanto, a nível mental, a nicotina ainda tem alguns trunfos e mentiras na manga, estes podem deitar tudo a perder. Depois de estar algum tempo sem fumar, como uma semana ou duas, a nicotina joga a sua última e poderosa cartada. "Agora que consegues controlar o tabaco podes certamente fumar um cigarro ocasionalmente, depois das refeições, por exemplo, que não vai passar nada. Podes até comprar uma marca de cigarros mais cara que o maço durará uma semana. Enfim, não gastas dinheiro nenhum e também não estragas assim tanto a saúde". Outra mentira. A do autocontrolo. Poderosa pois mexe com o "ego". É a inversão da mentira inicial, do não tens força para deixar de fumar. Agora a mentira é exactamente a oposta. Já tens força para controlar complemente a Nicotina. Mentira. Nesta fase, ainda não tens força para fazer tudo o que te apetece. A nicotina está a tentar inverter o processo da habituação para ver se consegue recuperar o terreno perdido e readquirir controlo da mente. É extremamente importante não ceder. Se despirmos esta sensação da sua forma e olharmos para o sua essência, o contéudo é exactamente igual à primeira mentira que nos veio à mente logo que pensamos em deixar de fumar: é cobiça por um cigarro. Resista à tentação de comprar um maço de tabaco e fumar. Nesta fase se voltar a acender um cigarro, este vai saber incrivelmente mal, pois o seu organismo está mais limpo, está a recuperar o seu equilíbrio natural. Se cair na tentação, lembre-se desse sabor desagradável que acabou de experimentar e do caminho que já percorreu. Se comprar maço atire-o fora. Tenha em mente esse sabor desagradável. Nunca mais o vai querer dentro do seu organismo. No seu corpo quem manda é você e não o cigarro. Tendo sempre presente a verdade da impermanência das sensações, certamente conseguirá deixar de fumar. É algo que está ao alcance de todos. Força. Só está derrotado quem não tem coragem para dar o primeiro passo.

Mário Cesariny


Faz-me o favor...


Faz-me o favor de não dizer absolutamente nada!

Supor o que dirá

Tua boca velada

É ouvir-te já.

É ouvir-te melhor

Do que o dirias.

O que és nao vem à flor

Das caras e dos dias.

Tu és melhor -- muito melhor!--

Do que tu.

Não digas nada.


Alma do corpo nu

Que do espelho se vê.

Sunday, November 26, 2006

Rolling Stones e U2 com as digressões mais lucrativas de sempre



A Vertigo tour dos U2 arrecadou, entre 28 de Março de 2005 e 5 de Março deste ano, mais de 333 milhões de dólares, afirmando-se com a digressão mais lucrativa de sempre do quarteto de Dublin e a segunda maior da história do rock and roll. Apesar de ultrapassarem os 320 milhões da Voodoo Lounge tour (1994), os U2 ainda estão longe de tocar os 437 milhões da Bigger Band dos Rolling Stones, que para além de quebrarem recordes de receitas em cada digressão, este ano foram vistos ao vivo por 3,5 milhões de melómanos em 110 concertos, isto sem contar com o maior show do ano em Fevereiro último, em Copacabana, no Rio de Janeiro, Brasil, onde mais de 2 milhões de pessoas na assistência. Desde 1989 que as digressões dos Stones são produzidas por Michael Cohl, com a Bigger Band a esticar-se até 2007, é bem possível que sem grande esforço a digressão chegue aos 500 milhões de dólares. Quando mais longe dos anos de verdadeira criatividade perto do lucro. O público quer símbolos, ícones e bandeiras.

"The Starry Night", Vincent van Gogh


"This morning I saw the country from my window a long time before sunrise". Vincent van Gogh. (1853-1890). "The Starry Night". Saint Rémy, June 1889

Friday, November 24, 2006

Solidariedade: leilão virtual

O leilão “Baú Surpresa de Natal dos Músicos Portugueses” consiste no convite dos Médicos do Mundo a várias individualidades e grupos ligados ao meio musical português, para que estes encham um baú com objectos particulares e curiosidades que possam interessar a admiradores e que servirão ainda de base a um leilão de solidariedade. Os MESA juntaram-se a esta iniciativa com a Mónica e o João a cederem alguns objectos pessoais... O leilão irá decorrer entre 29/11 e 13/12. Mais informações em: http://www.medicosdomundo.pt/

Concertos da minha Vida: U2 - Zoo TV

Ano 1991. O vídeo de "Fly" atinge-me como um raio. Desde Sigue Sigue Spunik que uma proposta visual não me impactava tanto. Arrepios. Fui apanhado completamente de surpresa. Compro o CD. São os U2 renascidos das cinzas tóxicas do "amigo americano" "Rattle and Hum". Bono usa óculos de "mosca", reinventa-se com a energia de um novo xamane, um neo-Morrison. A guitarra de The Edge entra finalmente no pós-punk. A electrónica com sabor a Madchester faz o resto. O aviso esta lançado, "Achtung Baby". A década de 90 começa bem para os rapazes de Dublin. O grunge fica para outro dia. Finalmente, os irlandeses ganham juizo viram as costas aos EUA, encontram-se consigo próprios num show planetário que promete efeitos secundários surpreendentes. Cheira mesmo a revolução audiovisual. ZooTv é uma utopia, uma energética fuga para a frente, a banda aposta tudo e ganha. Nós também. Graças a Deus e a Brian Eno.
Data: 15 de Maio de 1993. "Acrobat" não me larga a cabeça. A noite em Alvalade, felizmente, prometia ser tudo menos serena. Rumei do Barreiro para a toca dos leões com quatro amigos, todos tinham bilhete menos eu, tinha mesmo de me safar. Desenrasquei um bilhete por 20 contos. Na relva, ao lado do "ZooTv Confessions" assisti a um dos melhores concertos de toda a minha vida. Saltei o mais alto que pude amparado por braços de duas raparigas que até hoje ainda estou para conhecer. Bono era de facto o Morrison. Poético. Calças negras de couro. Saltos. Luzes. Usando a tecnologia, os U2 surfaram o tsunami da imagem em movimento, da informação, da publicidade. Armas que quase os mataram em "Rattle and Hum" são o antidoto perfeito para um exorcismo "live" de excessos e confissões. No final, em Alvalade, Bono pede um táxi para ir para casa mas em sucesso. Hipotizado fui mesmo a pé até ao Terreiro do Paço, acompanhado por centenas de "zombies". As ondas gigantes dos ecrãs de ZooTv ainda faziam tremer as mentes dos caminhantes. Os movimentos misteriosos de um concerto do outro mundo. Televisão emitida em directo para uma Lisboa que mal tinha acordado para os concertos deste mundo apanhava logo com um dos espectáculos mais impressionantes da década de 90. Felizmente fui um dos 4,5 milhões de participantes nessa celebração chamada de ZooTV. Paguei por isso e aprendi a licção, passado poucos menos, não esperei pela demora, e já tinha no bolso o bilhete para os Nirvana no Dramático de Cascais... Para mim Alvalade ficará sempre associada a U2 e Metallica, na primeira vez que o conjunto de Hetfield passou por Portugal... inesquecível. Mas essa é outra história...

Agenda: Blunder no Tertúlia Castelense, amanhã, dia 25

No próximo sábado, dia 25 Novembro, os bLUNDER apresentam à comunicação social o novo álbum “W hit e Pawn” – o 3º de originais da sua carreira, iniciada em 1998. Blunder disponibiliza um pequeno cocktail de imprensa, um concerto e a apresentação exclusiva do EPK video e videoclip para o tema “a.k.a. everything she wants”, o novo single da banda, actualmente a rodar na série “Morangos com Açúcar”.
Os fãs que se deslocarem ao local para assistir ao concerto dos bLUNDER para além de se habilitarem a ganhar t-shirts e posters autografados no local, os primeiros 100 clientes a acederem à sala de espectáculos do Tertúlia Castelense recebem um CD single e um pack de autocolantes bLUNDER - Pawn, totalmente exclusivos.
www.blundermusic.com

Thursday, November 23, 2006

Velvet Underground - John Cale - Venus in Furs (live, Later

Livros da minha vida: "O Lobo das Estepes", Hermann Hesse

Conheci Hermann Hesse num domingo de Novembro, em 1998. Estava em Lima, a passear por uma feira clandestina de literatura. Aos domingos em certas zonas da capital peruana, centenas de stands invadiam algumas das mais discretas avenidas da cidade, colocando à disposição dos amantes da literatura pouco endinheirados milhares de títulos fotocopiados. Os preços das obras dependiam da qualidade da falsificação. A iniciativa destas feiras era uma resposta do povo à censura comercial da presidência de Fujimori que taxava os livros com imposto de luxo de 40 por cento, com preços de algumas obras a atingirem os 40 ou 50 dólares, um ordenado portanto.
Com 20 dólares no bolso era um milionário podia comprar 150 cópias de média qualidade. Na altura, acompanhava-me Jorge, um padre mexicano que adorava ler e trabalhava numa paróquia três vezes maior do que Lisboa. Nunca mais me esqueço, um dia em que chegou da Igreja a rir. Mostrou-me um buraco na camisa: "estava à espera do autocarro, ouvi uns tiros, senti uma picada, quando olhei para a camisa reparei que estava furada", disse-me. Eu completamente arrepiado e ele a sorrir. Fé. Actualmente quando me falam da Igreja Católica, normalmente divido em duas, a Romana e a Latino-americana. O que a primeira tem de poder político a segunda tem de fé. As eucaristias celebradas pelo Jorge em nada se parecem com as nossas aqui em Portugal. De regresso à literatura e à avenida, perdido num verdadeiro oceano de livros, antes de me afogar pedi ajuda ao Jorge que me apresentou "Siddhartha", de Hermann Hesse. Um padre católico a empurrar-me para um livro inspirado na vida de Buda. Enfim. Devorei o romance de Hesse em poucos dias. Livro iluminado, leve, mas profundo, capaz de elevar sentidos ocultos de palavras e personagens tão cativantes, quanto misteriosas, e penetrar nas profundezas das alma humana. Poderoso. Seguiu-se "O Lobo das Estepes". Da luz para a escuridão, saltar de "Siddharta" para "O Lobo das Estepes" é como estar na India a levitar ao som de Ravi Shankar para depois cair para a noite nova-iorquina do Velvet Underground. Que livro. Como me identifiquei com esse Lobo das Estepes... A solidão dos que pensam com profundidade, que procuram sentidos com paixão, com desespero. Introspecção, noite, solidão, presos entre o céu e a terra, só alguns homens atingem a lucidez delirante e solitária deste magnífico "Lobo". Apaixonei-me por Hesse ao deliciar-me com duas obras de uma amplitude e densidade tão diversas e profundas. Depois, li mais uma meia-dúzia de livros de Hesse, todos excelentes, mas "O Lobo das Estepes" é daquelas experiências que só se tem uma vez na vida... um livro que arranha o mais profundo a alma humana. Poucos escritores conseguem penetrar na beleza poderosa e significativa das coisas aparentemente simples como Hesse. O Mozart da literatura. Merecido Nobel. "O Lobo das Estepes" é, de facto, um dos livros da minha vida. Recomendo a quem ainda não teve o prazer de o ler, esperando que tenha tanto prazer em lê-lo quanto eu tive... boas leituras.

U2 "With or Without You" from Vertigo '05 Live from Milan DVD

O Manifesto em defesa da Caixa dos Jornalistas

O Manifesto em defesa da Caixa dos Jornalistas é patético sobretudo pela forma tão incoerente que roça o infantil como revela a dicotomia entre uma classe que se afirma como 4º poder, independente, isenta, distante de qualquer favor ou influência, e, no entanto, não hesita em estender o chapéu ao Governo, chamando e reclamando de direito o que na verdade é um privilégio de classe.
No clube dos jornalistas, na 2:, ouvi a representante do SJ, quando perguntada sobre o vencimento médio dos jovens jornalistas sindicalizados, a atirar o valor de 800 euros... palavras para quê...
Qualquer jornalista sabe que se alguém, hoje em dia, trabalha, ganha e manda nas redacções são os profissionais do sector comercial, esses sim deviam reclamar mais direitos, afinal são os "gatekeepers" do jornalismo "made in Portugal"... afinal se não fosse a publicidade não haveria jornalistas com ou sem Caixa.

UpGrades e outros demónios

Como já devem ter reparado o "vício" finalmente actualizou-se, já era sem tempo, importando algum do hi-tec que anda por aí à deriva na net. Para além dos vídeoposts importados do youtube, "a new thing" é mesmo a playlist do finetune; seleccionei uma série de temas que fazem parte da minha banda sonora afectiva, por razões diversas há músicas que não me largam a pele, outras que apanhadas após décadas me invocam memórias intensas e subitamente presentes.. espero que gostem das escolhas, senão paciência... como diz o meu amigo Mick "you can´t always get what you want"

Wednesday, November 22, 2006

Tuesday, November 21, 2006

Pensamento: A verdadeira vida


A verdadeira vida só pode encontrar-se no momento presente mas o nosso espírito raramente reside nele. Em vez disso, lembramo-nos do passado e ansiamos pelo futuro. Temos uma ideia sobre nós próprios mas raramente estamos em contacto connosco. O nosso espírito está demasiado ocupado pelas recordações do passado e os planos para o futuro. A única maneira de entrar em contacto com a vida é voltando ao momento presente. Quando souberes residir no momento presente serás um iluminado e terás encontrado a tua verdadeira casa.
Buda

Monday, November 20, 2006

Reportagem: Salas de Ensaio (versão completa, revista e aumentada)

Quatro paredes e outros tantos acordes.

Viagem pelas mais recentes e carismáticas salas de ensaio e gravação da cidade do Porto. Oportunidade para conhecer por dentro os locais onde bandas consagradas e novos talentos partem cordas, esfolam dedos e colocam toda a sua arte e engenho ao serviço da música e ainda olhar os sonhos e pesadelos de quem vive para música. Os espaços esses são reservados, abertos até de madrugada, com histórias para contar, sons para descobrir e conselhos para guardar. Das lojas no centro da cidade até insuspeitos escritórios na periferia, passando naturalmente pela Ribeira de olhar voltado para o Douro, segue-se um acidental e nocturno percurso com banda sonora a cargo dos Repórter Estrábico, Checkpoint Charlie e StrangeVersion.

“Centros comerciais são centros culturais.”
Uma das mais recentes tendências das bandas em busca de uma sala de ensaio é a ocupação de centros comerciais. Neste admirável novo mundo, o espaço com maior número de bandas por metro quadrado na cidade do Porto é indubitavelmente o Stop. Mais de duas vintenas de projectos habitam a histórica catedral do consumo dos anos 80, actualmente transformada em metrópole do som. Longe da glória de outros tempos, vetada ao declínio pela ascensão dos shoppings de periferia, a antiga superficie comercial da Rua do Heroísmo alberga um número volátil mais crescente de bandas que alugam lojas entre o 2º e 3º piso. Na entrada, um placard antecipa o ambiente musical, anunciando: “Garagem das Guitarras/oficina no nº106”. Dois andares mais acima, pioneiros neste movimento de “ocupação”, encontramos os Repórter Estrábico, os primeiros a invadir o Stop, corria o ano de 1987, inaugurando um movimento migratório de colectivos dos quatro cantos da cidade para o carismático centro comercial.
No número 316, encostados à não menos conhecida danceteria “Porto à Noite” nasceram os temas do excelente “Eurovisão”. Inteligentes e atentos fenómenos transculturais, o colectivo sentencia, em discurso directo: “Se o Dallas tivesse aberto as lojas às bandas provavelmente ainda estaria aberto”, Luciano Barbosa assina o pensamento. Para o Líder, “existe aqui, no Stop, um certo retrato marginal do Porto que nos atrai”. Com vinte anos de actividade, mais de metade dos quais ensaiados entre estas quatro paredes, o projecto conhece como poucos as estórias de um espaço que tem acolhido ao longo da última década e meia personagens tão carismáticas como marginais da noite do Porto. De góticos a fadistas, de rastas a metaleiros, de prostitutas a senhoras de bem. No Stop ouve-se e vê-se um pouco de tudo, o lado mais cosmopolita e marginal da Invicta. “Já tivemos uma casa de fado mesmo aqui ao lado. Lembro-me da D. Rosa, boa voz, tinha o marido na prisão. Uma simpatia”, recorda Luciano. “Mais do que um centro comercial, o Stop é um centro cultural”, afirma o vocalista do RP.
Existem duas grandes vantagens no aluguer e transformação de uma loja num centro comercial em sala ensaio. A primeira é a segurança. Os músicos reforçam essa ideia adiantando que nunca foram assaltados e que até já deixaram as portas abertas e o material na meio do corredor. “É o privilegio de ter boa vizinhança”. Outra das grandes mais valias é a privacidade. Não têm de dividir o espaço com ninguém. Nota-se. As paredes da sala vestem-se de recordações de 20 anos de actividade dos Repórter Estrábico, uma espécie de segunda pele tatuada de “souvenires”. Do fio dental da capa de “Eurovisão”, ao charuto do vídeo “Biltre”, passando por “posters” e “creditações” de concertos. Entre ícones religiosos e pornográficos, o espaço reflete a dimensão pop-satírica do colectivo que vive bem com a memória. “Esta sala não tem nada a ver com os Galitos da Foz onde ensaiávamos. Aqui temos mais espaço, intimidade, um ambiente interessante, onde tudo pode acontecer”, afirma o Líder recordando ainda que quando ensaiaram o tema “Caracoroismo”, do mais recente “Eurovisão”, tiveram um senhor africano, cliente de um restaurante das vizinhanças, a dançar cuduro à porta da sala de ensaios. Cenas típicas de uma certa marginalidade urbana de um Porto fora de horas.
Adiante-se que para além do Stop, existem outros espaços comerciais de menor dimensão que também albergam projectos musicais na Invicta. Roteiro complementar inclui, entre outros, o Sírius por onde passam entre outras bandas X-Wife, Prostitutes e Holocausto Canibal.


“Este espaço é a nossa segunda casa”
Nesta nocturna viagem à descoberta de espaços alternativos de ensaio na Invicta, fugimos mais para norte da cidade, entrando na freguesia de Ramalde, encontramos o “edifício Chrysler”, na rua Delfim Ferreira. Construído nos anos 60 por um dos grandes nomes da arquitectura portuguesa, Artur Andrade, responsável, entre outros, por projectos tão emblemáticos na cidade do Porto como o cinema Batalha, o prédio de escritórios acolhe temporária e alternadamente perto de uma dezena de bandas.Os primeiros sons a ecoarem no edifício foram destilados pelas Amarginhas, com a voz da Fatuxa. O projecto entretanto extinto, cedeu lugar, na aurora do novo milénio, aos Checkpoint Charlie. João Pedro (a.k.a. Jp Sarembe) acompanhou ambas as bandas e conhece como poucos os cantos à casa.
Na entrada do piso 4, azulejos à antiga portuguesa avisam o visitante. “Nesta casa só têm lugar os que concorrem para o seu engrandecimento”. Aceitamos o desafio. Duas portas para lá do som dos Columbia, que salta das paredes para fora, frenético metal de surpreendente qualidade e arrojo, os Checkpoint Charlie apresentam a sua “segunda casa”. “É mesmo isso. Se calhar ainda passamos aqui mais tempo do que na nossa casa”, afirmam apesar de actualmente partilharem o espaço com os recém nascidos Mescal. Os Checkpoint afirmam-se como um dos segredos mais bem guardados do Porto. Concertos inesquecíveis no Hard Club e Vilar de Mouros valeram uma base inteligente de admiradores. “Para além dos ensaios, utilizamos este espaço para, juntamente com um grupo de amigos, cruzarmos artes, ideias e culturas – confessa João Pedro – já organizamos aqui, por exemplo, sessões de pintura”.
Mais amplos do que os espaços de centro comercial, os escritórios do “Chrylser” contêm um cheiro a modernidade pop que convidam a um intimismo “after-hours”. No entanto, quando mais de três bandas ensaiam no mesmo sector, os sons confundem-se e a acústica convida ao desafio do “ver quem toca mais alto”. Ao fundo, ainda se ouvem os acordes pesados dos Columbia que parecem invadir todo o corredor. “Bem, se fossem aqui os nossos vizinhos do lado era pior” afirma Fernandinho, o baterista. As paredes da sala seguram fotografias de concertos, artigos de jornal e creditações. “Já tocamos juntos há mais de 20 anos. Vimos para aqui todos os dias. Este espaço reflete essa vivência em comum. É de facto muito mais do que uma sala de ensaios, é uma segunda casa, tem um sentido de história e de pertença muito próprias”, afirma João Pedro.
Depois da gravação do EP e de um 2005 pleno de actividade, actualmente o projecto encontra-se numa espécie de descanso sabático para recuperar forças e ganhar balanço para um futuro certamente inovador. Mais elitista, o espaço afirma-se como uma república do som e das artes. Casa altamente recomendável que importa conhecer. Silky, Stowaways e Zen já passaram por aqui.

“Quem experimenta fica viciado”
Outra das novas tendências do mercado é o alugar de salas de ensaio à hora. Uma proposta atractiva para jovens bandas. O “low cost”, não pagar renda,e a qualidade das instalações são algumas das vantagens relativamente as propostas anteriores. Neste contexto, destaque para o novo espaço “Inside-Out, inaugurado em Junho do ano passado no Centro de Apoio à Criação de Empresas, CECA Cultural, do Porto. O Inside-Out oferece-se como uma ampla sala, com excelente acústica e equipamento musical à disposição das bandas para ensaios com os olhos voltados para o rio Douro. Os fundadores do espaço Cláudio Figueiredo e Sofia Valentim sentiram que na cidade do Porto existe um boom de bandas. A quantidade e a qualidade do grupos é um dos factor impulsionadores da ideia. “Este projecto nasceu de uma necessidade que também nós já sentimos na pele, de ter um espaço em condições para tocar”, confessa Cláudio. Dos DR Sax para um sem número de bandas paralelas da electrónica ao rock, o músico partiu da sua própria vivência para criar um espaço alternativo, capaz de satisfazer uma carência no mercado musical. “Já passei pelo Stop e sei da importância de se tocar numa sala em condições”, confessa. Para o mentor do Inside-Out, uma das grandes vantagens de se ensaiar num espaço como este é o factor rentabilidade, “as bandas estão mais concentradas e procuram aproveitar o tempo de forma criativa”, afirma, concluindo que “quem toca aqui uma vez fica logo viciado”. Foi o caso dos StrangeVersion. “Ensaiavamos na minha casa e era uma confusão. Mal começavamos a tocar, era ouvir os vizinhos a baixar os estores. Agora, desde que nos mudámos para aqui, não tem nada a ver”, afirma Hugo Mesquita, guitarrista da banda.
Para além da sala de ensaios, o Inside-Out oferece ainda aulas de músicas e gabinete de agenciamento. Outro dos objectivos do projecto passa por se afirmar como espaço de convívio entre músicos. “Estamos a organizar jam-sessions, a ideia é colocar os músicos a trocarem ideias a conviverem”, afirma Cláudio Figueiredo.
No contexto das salas de ensaio à hora, outro espaço possível passa inevitavelmente pelo Baixa a Tola, em Matosinhos. O proprietário, J. Martins pede descrição. Aluguer informal num local oculto do comum dos mortais mas bem conhecido da comunicade musical do Porto. Para aceder a um dos dois espaços disponíveis tem, naturalmente, de se baixar a cabeça. Fã dos New Model Army recorda com alguma saudade a década de 90, como “os anos mais concorridos no Baixa a Tola. Agora a malta está desempregada e sem dinheiro. A música para muita gente é mesmo um luxo”.

“A falta de dinheiro aniquila muitos talentos”
Das salas de ensaios directamente para o estúdio. Outra das grandes novidade no mercado da musical do Porto é o Estúdio da Ribeira. De portas abertas desde Agosto do ano passado no belo Largo de S. Domingo, o espaço transpira a granito e afirma-se como um “must” na área da gravação. Com o fascínio pela música e o prazer pela tecnologia a andarem de mãos dadas e com olhos voltados para o Douro, o Estúdio da Ribeira acolhe produção de maquetes, álbuns e “jingles” publicitários. Carismático e experiente, com trabalhos produzidos ao lado de Mário Barreiros, José Fontefria, mentor do projecto, revela a filosofia e identidade do espaço. “Decidi abrir um estúdio por que senti que se perde muito talento por falta de dinheiro. Existem músicos com material excelente não chegam a gravar porque os estúdios pedem fortunas. Quando ouço maquetes de bandas jovens e me dizem que gastaram 700 contos, digo-lhes que foram roubados”. Segundo o produtor a ideia base do projecto é promover “aquilo que melhor se faz por cá”. Não se trata do sindroma Robin Wood, mas de uma vontade genuína de ajudar quem tem poucos recursos financeiros e muita exigênca em termos de qualidade. “Sinto que o Porto tem realmente muita gente nova com talento. Apesar de isto ser um negócio, faço o possível e às vezes o impossível para ajudar quem precisa. Não gosto de ver talentos desperdiçados”, afirma.
Assumindo a papel do produtor como “alguém que peneira o som, tentando separar o ouro da areia e realçar o melhor que há em cada músico”, o José Fuentefria aconselha bandas que estão pensar em ir para estúdio. “Fundamental é terem a lição preparada, saberem gerir o tempo e programarem bem o que vão tocar.” Num estúdio tempo é dinheiro.
No entender do responsável pelo espaço, actualmente as bandas estão cada vez mais preparadas para gravar e “talentos não faltam, é necessário é dar espaço, atenção e liberdade criativa aos músicos com gosto e vontade de trabalhar.” Estúdio da Ribeira um espaço interessantíssimo para descobrir no circuito musical do Porto.


Antes de sairem da garagem…
Conselhos e cuidados a ter antes de se alugar uma sala de ensaios. Tempo, espaço e, naturalmente, dinheiro são três factores base. O espaço deve ser pensado em função do tempo disponível da banda para ensaiar. Se a febre da música for unicamente de sábado à noite o melhor será alugar um espaço à hora. Ganha-se em rentabilidade e poupa-se dinheiro. Se, pelo contrário, os ensaios forem intensivos, aconselha-se uma visita aos centros comerciais, onde se podem encontrar espaços interessantes a partir de 100 euros por mês. Na altura da escolha, cuidado com os vizinhos, estes podem ser uma banda de metal mais do que pesado e ganharem na batalha dos decibéis, e cuidado com a acústica própria do espaço, provavelmente requer adaptações. Se o dinheiro não chegar, o ideal é convidar uma banda amiga para dividir as despesas, perde-se intimidade, mas reduz-se para metade o orçamento. Outro dos factores essenciais é a segurança. Convém encontrar uma espaço que tenha segurança, não vá o diabo tecê-las e perderem numa noite um investimento de anos.

Thursday, November 16, 2006

Revista de Imprensa: "Cultura com mais peso na economia europeia do que sector automóvel"

Provavelmente a manchete que o "Jornal de Notícias" queria ter. O "Público" de hoje abre a sua primeira página com uma matéria bastante interessante, tendo em conta os meus posts anteriores, como por exemplo o mais recente "Subsídio(in)dependências", relativamente às políticas culturais do economista e presidente da Câmara Municipal do Porto, Rui Rio. O estudo da União Europeia, abaixo citado pela jornalista Joana Gorjão Henriques, serve de ilustração aos argumentos por mim avançados sobre a polémica dos subsídios. O grande erro do autarca social-democrata não é tanto o ceder ao populismo do agradar aos eleitores que o elegeram, tal como o próprio, pobres em hábitos culturais, essa é uma opção política válida em democracia, aliás os resultados eleitorais assim o demonstram. Não é obra do acaso a reeleição de Rio. A grande incoerência do autarca é a de não se assumir como um político populista e esconder-se por detrás de uma falsa moralidade e rigor orçamental para justificar um desinvestimento brutal na cultura. Uma medida que nem política nem economicamente se revela acertada. Mais do que qualquer outro sector, o Porto é uma cidade com um enorme potêncial em termos de turismo cultural. Museu de Serralves e a Casa da Música são dois pilares de uma capitalidade cultural ainda por edificar.

É a cultura, estúpido!
Por Joana Gorjão Henriques / Público
"Um estudo da União Europeia mostra que a cultura contribui mais para a economia dos 25 do que os automóveis. Por isso deve passar a ser uma prioridade. Exemplos como o Guggenheim de Bilbau, que "salvou a cidade", atestam o poder de um sector que tem sido ignorado por os governantes acharem que é um custo, em vez de um investimento. Em Portugal, é o terceiro principal contribuinte para o PIB, a seguir aos produtos alimentares e bebidas".

Wednesday, November 15, 2006

Revista de Imprensa: "Cavaco foge de Lula no Brasil"


Primeira página, manchete, do semanário SOL: "Cavaco foge de Lula no Brasil". Segundo o jornal "O presidente esteve no Brasil mas o Planalto não soube da sua presença. Os desencontros com Lula vêm de longe. Em Belém ninguém esqueceu ainda a ausência do chefe de Estado brasileiro na posse de Cavaco Silva. Este explica que se tratou de uma visita privada e não diz nem mais uma palavra".
Considero particulamente interessante esta notícia do "Sol" não tanto pelo seu impacto político, praticamente nulo, mas pelo seu significado civilizacional. É quase patético como comportamentos protocolares em vez de espelharem a cultura dos povos que os abraçam, roçam a marginalidade quase infantil do "quem não me visitou primeiro foste tu". Em vez de sentirmos presidentes da república que representem o sentido cada vez mais descomplexado e próximo entre dois povos irmãos, assistimos a fugas protocolares tão infantis quanto civilizacionalmente preocupantes.
Felizmente, os dois povos conseguem ultrapassar as limitações dos seus presidentes da respública e comunicar num interesse comum, nas artes e cultura, cada vez mais descomplexado, sincero e inteligente. Mais uma vez, são mesmo os povos a dar exemplo aos seus representantes. Estes últimos se estivessem um pouco mais atentos a quem os elegeu certamente poupariam uma série lamentável de equívocos.

Solidariedade: apresentação do projecto: A-cause


Os leitores mais atentos do vício já se perguntaram como é que ficou o projecto A-Cause, anunciado aqui em primeira mão. Após vários meses de gestação o cd-single prepara-se finalmente para conhecer a luz do dia. Com a apresentação oficial do projecto agendada para este sábado, às 15h, no Salão Nobre da Câmara Municipal de Gaia, e o tema "bring back the sun" em rotação na bestrock, espero muito sucesso para a iniciativa que juntou pela primeira vez em Portugal uma significativa plataforma de músicos (entre os quais se destacam Rui Reininho, Rui veloso, Mesa, Xutos, Blind Zero, Ez Special, Fingertips, entre muitos outros) em torno de uma causa comum, ajudar a AMI e os refugiados do Sri Lanka. Para mais informações fica o link A-Cause

Friday, November 10, 2006

A subsídio(in)dependência

Nada do que se está a passar entre a câmara do Porto e os agentes culturais da cidade me surpreende. Já muito escrevi, desde 2001, sobre o pensamento e comportamento de ambos. Desde cedo, senti que o choque era inevitável. Trata-se de uma novela dramática em estilo, pobre em conteúdos e previsível nas formas. Sinal dessa pobreza ideológica, é o mais recente debate sobre a retirada dos subsídios a fundo perdido que traduz uma série de equívocos gerados por ambas as partes. O artigo "O Outro lado do Rio", de António Pedro Vasconcelos, publicado este sábado no "Sol" é mais um sinal desses equívocos.
Se por um lado, o discurso dos agentes culturais baseia-se erroneamente no axioma de que Rui Rio não tem uma política cultural para a cidade e de que onde lhe falta sensibilidade artística sobeja dureza e rigor ecomómico, por outro o autarca perde coerência política ao vender austeriadade e rigor orçamental e, em nome do populismo e das sondagens, perder a oportunidade histórica de rentabilizar um dos grandes trunfos turísticos e económicos do Porto, a sua capitalidade e potencial cultural. Rio não tem coragem de remar contra a pobreza cultural do eleitorado que o colocou à frente da câmara, é neste sentido que merece o epíteto de populista.
Em termos meramente políticos, ainda de recordo de uma interessante conversa que tive com Rio, em plena ressaca da Capital da Cultura. Na altura, trabalhava para "O Comércio do Porto". Estávamos nos corredores da cooperativa Árvore. Num diálogo pleno de sinceridade, em off, Rio confessou que a sua preocupação eram os bairros sociais e a segurança, não a cultura por esse ser o desejo da maioria dos portuenses que o elegeu. Nada podia estar mais perto da verdade. Rio disse-me ainda que segundo estudos de opinião que tinham chegado ao seu gabinete, quando perguntados sobre quais os aspectos mais preocupantes da cidade, áreas de actuação, os portuenses colocavam os bairros sociais e a segurança no topo da lista. Temas como a cultura e o lazer não tiravam o sono a ninguém. Como político, Rio pensa e move-se pelo eleitorado que o legitima nas urnas. A esquerda intelectual e elitista da cultura portuense por mais razão que possa ter, não coloca Rio no poder, a sua expressão eleitoral é desprezível. É neste sentido, Rui Rio é um político populista. Responde aos gostos do seu eleitorado. A partir de agora em vez de acolher um texto de Harold Pinter às moscas, o Rivoli vai encher para receber encenações do La Féria. Recorde-se que no Teatro Sá da Bandeira, Rio chegou a comprar centenas de bilhetes da "Rainha do Ferro Velho" para oferecer aos seus inquilinos dos bairros sociais.
Agora em termos culturais importa uma nova série de reflexões. Os produtos artísticos, apesar de tendencialmente comerciais, nem sempre são imediatamente rentáveis (uns por falta de talento comercial outros por excesso elitismo artístico). A qualidade do "produto" não sempre anda de mãos dadas com a sua rentabilidade a curto, médio ou longo prazo. Se um "filme da treta" conquista as bilheteiras nacionais, seduzindo mais público português e ganhando mais dinheiro em dois meses do que Manoel de Oliveira em toda a sua carreira, isto não significa que, enquanto proposta artística, a dita comédia seja superior ao qualquer uma das das propostas de Oliveira. O Ministério da Cultura, através do ICAM, continua a financiar Oliveira com um ou dois milhares de contos por filme não por esperar um grande êxito de bilheteira, mas por saber que os seus títulos são uma bandeira de Portugal no mundo da "sétima arte". Apesar dos portugueses não se identificarem com as cores da "bandeira" de Oliveira e ser falsa a ideia vendida em Cannes ou Veneza, o Portugal cinematográfico cresce autónomo do público, e o autor d´"O Convento" tem já escritas várias páginas de ouro na história do cinema mundial.
Política e cultura chocam desde logo por serem de natureza distinta. A primeira é uma ciência tendencialmente conservadoram enquanto a segunda alimenta-se da ruptura. Na primeira, uma vez eleitos, os representantes do povo rapidamente se esquecem de quem os elegeu. O povo só merece atenção na medida em que contribuir para a sua manutenção do poder. Na segunda, a cultura, essa existe no movimento, na ruptura, na criatividade. Numa sociedade de raíz judaíco-cristã a ligação destes dois universos numa era pós-moderna cria inevitavelmente fracturas. Lamentavelmente, sem Renascença ou Iluminismo, Portugal continua afastado na Europa em aspectos bem mais importantes do que os económicos PIB ou dívida externa. Infelizmente, a cultura e a arte continuam ausentes do discurso político e este traduz, inevitavelmente, uma pobreza intelectual e estética cada vez mais lancinante. Quanto mais desisteressado o povo estiver da política, melhor para os políticos. A ausência de cultura é uma das ferramentas mais antigos na perpetuação do poder político.

Thursday, November 09, 2006

Reportagem: Salas de ensaio - parte III

“A falta de dinheiro aniquila muitos talentos”

Das salas de ensaios directamente para o estúdio. Outra das grandes novidades no mercado da musical do Porto é o Estúdio da Ribeira. De portas abertas desde Agosto do ano passado no belo Largo de S. Domingo, o espaço transpira a granito e afirma-se como um “must” na área da gravação. Com o fascínio pela música e o prazer pela tecnologia a andarem de mãos dadas e com olhos voltados para o Douro, o Estúdio da Ribeira acolhe produção de maquetes, álbuns e “jingles” publicitários. Carismático e experiente, com trabalhos produzidos ao lado de Mário Barreiros, José Fontefria, mentor do projecto, revela a filosofia e identidade do espaço. “Decidi abrir um estúdio por que senti que se perde muito talento por falta de dinheiro. Existem músicos com material excelente não chegam a gravar porque os estúdios pedem fortunas. Quando ouço maquetes de bandas jovens e me dizem que gastaram 700 contos, digo-lhes que foram roubados”. Segundo o produtor a ideia base do projecto é promover “aquilo que melhor se faz por cá”. Não se trata do sindroma Robin Wood, mas de uma vontade genuína de ajudar quem tem poucos recursos financeiros e muita exigênca em termos de qualidade. “Sinto que o Porto tem realmente muita gente nova com talento. Apesar de isto ser um negócio, faço o possível e às vezes o impossível para ajudar quem precisa. Não gosto de ver talentos desperdiçados”, afirma.
Assumindo a papel do produtor como “alguém que peneira o som, tentando separar o ouro da areia e realçar o melhor que há em cada músico”, o José Fuentefria aconselha bandas que estão pensar em ir para estúdio. “Fundamental é terem a lição preparada, saberem gerir o tempo e programarem bem o que vão tocar.” Num estúdio tempo é dinheiro.
No entender do responsável pelo espaço, actualmente as bandas estão cada vez mais preparadas para gravar e “talentos não faltam, é necessário é dar espaço, atenção e liberdade criativa aos músicos com gosto e vontade de trabalhar.” Estúdio da Ribeira um espaço interessantíssimo para descobrir no circuito musical do Porto.

Friday, October 27, 2006

Maitena: os pensamentos das mulheres

Depois dos 40 o sexo tem menos tabús. Sente-se mais, pensa-se menos. Depois de ler a interessante entrevista de Márcio Resende à escritora/desenhadora argentina Maitena, publicada na "Única" desta semana, senti-me novamente feliz por ser homem e gostar cada vez mais de mulheres. Vivo há mais de sete anos com uma. É um ser maravilhosamente diferente de mim, uma prova cabal da existência de Deus, do bom e do belo.
No entanto, primeira grande questão que se coloca é: Quando uma mulher conversa com um homem e lhe conta um problema sério, ela quer dele uma solução ou simplesmente um ouvido?
Segunda grande questão: Quando uma mulher diz qualquer coisa, nós (homens) devemos entender o que ela disse ou o que ela quis dizer? Como e quando colocar os duplos sentidos?
Enquando a resposta à primeira questão parece óbvia. O que ela quer é mesmo um ouvido para desabafar. Quer ser entendida. Para nós homens a coisa é um pouco mais complicada. O instinto protector ergue-se, misturado com o ego e alguma vaidade, "afinal, de todos os machos desta selva, é comigo que ela está a desabafar", sentimos logo uma necessidade de a proteger, numa espécie de sindroma de "super-homem", queremos revelar toda a nossa força "sobrehumana claro" e, com um estalar dos dedos, resolver problema que tanto a aflige. "Tás a ver, viver comigo é assim, estás protegida de todo e qualquer problema. Nem tsumanis te conseguem tocar." Naturalmente, o leque de reacções masculinas ao desabafo feminino pode ir bem mais longe do que a do "protector", mas parece-me que esta é a mais primária e comum de todas. Estar simplesmente calado e ouvir o problema sem dar soluções, sem abrir a boca, é o grande desafio e simultaneamente a melhor solução...
A segunda questão, essa é um dos grandes enigmas da vida tal qual a conhecemos. O ideial é entender o que ela quis dizer e não o que disse, mas saber colocar os duplos sentidos na hora certa e no lugar certo requer uma sensibilidade e atenção absolutamente invulgares para o homem comum. Quem as possuir tem mais de metade dos problemas conjungais resolvidos. Naturalmente que, aos fins-de-semana, podemos continuar a ver alguma bola na televisão, (note-se escrevi alguma, não toda), mas tentar entrar dentro dos gostos, ambições e pequenos prazeres femininos pode ser um desafio mais interessante do que à partida parece. Neste campo, os gays já levam metade do trabalho de casa já feito, daí tanto sucesso e admiração com o sexo oposto. Mas, como em tudo na vida, é no meio que está a virtude. Até por que, aos domingos, é mais fácil sofrer com o glorioso do que ir à Timtoreto ou à Mango. Mas há sacrifícios que repetidos muitas vezes se tornam prazeres e, no final do dia, a recompensa é mais intensa e positiva do que as bolas à trave do Nuno Gomes.

Sunday, October 22, 2006

Meditação Vipassana: uma descoberta

Estive algum tempo ousente do mundo. Fui fazer um retiro. E que retiro. Deu mesmo para pôr algumas coisas em ordem. O curso de 10 dias de mediatação Vipassana foi para mim uma revelação. Uma das maiores da minha vida. Não foi fácil, e ainda bem, o final é bem mais recompensador. Apesar de ter alguma, pouca, experiência meditativa, orientada pelo Bal Krishna, no PazPazes, aqui no Porto, o silêncio dos dez dias e as generosas horas de meditação e a técnica vipassana trouxeram muita coisa à tona. Libertei-me de alguns complexos e nós que a minha mente guardava há já alguns anos. Penso que o meu ego sofreu um pouco durante este processo, mas ainda bem, ele merecia. Com o encerramento d´"O Comércio do Porto", o ter de sair temporariamente da minha área do jornalismo para "ganhar a vida", muita coisa se agitou dentro no meu grande "ego". O grande jornalista Anastácio Neto, que esteve a beber copos com os Radiohead no Anikibobó, na Ribeira, e ganhou prémios de melhores coberturas jornalísticas, de repente está desempregado, não é impossível. A vida é uma grande licção. Depois de ter deixado de fumar, beber, este ano, felizmente ganhei alguma coragem, a outra foi-me emprestada, e atirei-me de cabeça para a meditação vipassana. Os resultados são surpreendentes. Recomendo. Vou incluir o link da secção portuguesa de meditação vipassana neste blog. Be happy :)

Saturday, October 21, 2006

Reportagem: Salas de ensaio - parte II

“Este espaço é a nossa segunda casa”
Nesta nocturna viagem por espaços alternativos de ensaio na Invicta, fugimos mais para norte da cidade, entrando na freguesia de Ramalde, encontramos o “edifício Chrysler”, na rua Delfim Ferreira. Construído nos anos 60 por um dos grandes nomes da arquitectura portuguesa, Artur Andrade, responsável, entre outros, por projectos tão emblemáticos na cidade do Porto como o cinema Batalha, o prédio de escritórios acolhe temporária e alternadamente perto de uma dezena de bandas.Os primeiros sons a ecoarem no edifício foram destilados pelas Amarginhas, com a voz da Fatuxa a embalar a casa desenhada pelo avô, Artur Andrade. O projecto entretanto extinto, cedeu lugar, na aurora do novo milénio, aos Checkpoint Charlie. João Pedro (a.k.a. Jp Sarembe) acompanhou ambas as bandas e conhece como poucos os cantos à casa.
Na entrada do piso quatro, azulejos à antiga portuguesa avisam o visitante. “Nesta casa só têm lugar os que concorrem para o seu engrandecimento”. Duas portas para lá do som dos Columbia, que freneticamente debitam um metal de surpreendente qualidade e arrojo, os Checkpoint Charlie apresentam a sua “segunda casa”. “É mesmo isso. Se calhar ainda passamos aqui mais tempo do que na nossa habitação primeira”, afirmam apesar de actualmente partilharem o espaço com os recém nascidos Mescla. Os Checkpoint afirmam-se como um dos segredos mais bem guardados do Porto. Concertos inesquecíveis no Hard Club e Vilar de Mouros valeram uma base inteligente de admiradores. “Para além dos ensaios, utilizamos este espaço para, juntamente com um grupo de amigos, cruzarmos artes, ideias e culturas – confessa João Pedro – já organizamos aqui, por exemplo, sessões de pintura”.
Mais amplos do que os espaços de centro comercial, os escritórios do “Chrylser” contêm um cheiro a modernidade pop que convidam a um intimismo de “after-hours”. No entanto, quando mais de três bandas ensaiam no mesmo sector, os sons confundem-se e a acústica convida ao desafio do quem toca mais alto. Ao fundo, ainda se ouvem os acordes pesados dos Columbia. “Bem, se fossem aqui os nossos vizinhos do lado era pior” afirma Fernandinho, baterista. Nas paredes, fotografias de concertos, artigos de jornal, creditações. “Já tocamos juntos há mais de 20 anos. Vimos para aqui todos os dias. Este espaço reflete essa vivência em comum e é de facto muito mais do que uma sala de ensaios e uma segunda casa, tem um sentido de história e de pertença muito próprias”, afirmam.
Depois da gravação do EP e de um 2005 pleno de actividade, actualmente o projecto encontra-se numa espécie de descanso sabático para recuperar forças e ganhar balanço para um futuro certamente inovador. O espaço, esse afirma-se como uma república do som e das artes altamente recomendável e que importa conhecer. Silky, Stowaways e Zen já passaram por aqui.

Continua (...)

Thursday, September 28, 2006

Reportagem: Salas de ensaio - parte I

1. Quatro paredes e outros tantos acordes.

Viagem pelas mais recentes e carismáticas salas de ensaio e gravação da cidade do Porto. Oportunidade para conhecer por dentro os locais onde bandas consagradas e novos talentos partem cordas, esfolam dedos e colocam toda a sua arte e engenho ao serviço da música. São espaços reservados, abertos até de madrugada, com histórias para contar, sons para descobrir e conselhos para guardar. Das lojas no centro da cidade até insuspeitos escritórios na periferia, passando naturalmente pela Ribeira de olhar voltado para o Douro, segue-se um acidental e nocturno percurso com banda sonora a cargo dos Repórter Estrábico, Checkpoint Charlie e StrangeVersion.

“Centros comerciais são centros culturais.”
Uma das grandes tendências das bandas em busca de uma sala de ensaio é a ocupação de centros comerciais. Neste admirável novo mundo, o espaço com maior número de bandas por metro quadrado na cidade do Porto é indubitavelmente o Stop. Mais de duas vintenas de projectos habitam a histórica catedral do consumo dos anos 80, actualmente transformada em metrópole do som. Longe da glória de outros tempos, vetada ao declínio pela ascensão dos shoppings de periferia, a antiga superficie comercial da Rua do Heroísmo alberga um número volátil mais crescente de bandas que alugam lojas entre o 2º e 3º piso. Na entrada, um placard antecipa o ambiente musical, anunciando: “Garagem das Guitarras/oficina no nº106”. Dois andares mais acima, pioneiros neste movimento de “ocupação”, encontramos os Repórter Estrábico, os primeiros a invadir o Stop, corria o ano de 1987, inaugurando uma migração de colectivos dos quatro cantos da cidade para o carismático centro comercial.
No número 316, encostados à não menos conhecida danceteria “Porto à Noite” nasceram os temas do excelente “Eurovisão”. Inteligentes e atentos ao fenómeno, o colectivo sentencia: “Se o Dallas tivesse aberto as lojas às bandas provavelmente ainda estaria aberto”, afirma Luciano Barbosa. Para o Líder, “existe aqui um certo retrato marginal do Porto que nos atrai”. Com vinte anos de actividade, mais de metade dos quais ensaiados entre estas quatro paredes, o projecto conhece como poucos as estórias de um espaço que tem acolhido ao longo da última década e meia personagens tão carismáticas como marginais da noite do Porto. De góticos a fadistas, de ritmos africanos ao metal, de prostitutas a senhoras de bem. No Stop ouve-se e vê-se um pouco de tudo, o lado mais cosmopolita e marginal da Invicta. “Já tivemos uma casa de fado mesmo aqui ao lado. Lembro-me da D. Rosa, boa voz, tinha o marido na prisão. Uma simpatia”, recorda o Líder. “Mais do que um centro comercial, o Stop é um centro cultural”, afirma o vocalista do RP.
Existem duas grandes vantagens no aluguer de uma loja num centro comercial para ensaio. A primeira é a segurança. O colectivo reforça essa ideia adiantando que nunca foram assaltados e “até já deixámos as portas abertas e o material na meio do corredor. É o privilegio de ter boa vizinhança”, afirmam. Outra das grandes mais valias é a privacidade. Não têm de dividir o espaço com ninguém. As paredes da sala vestem-se de recordações de 20 anos de actividade, uma espécie de segunda pele tatuada de “souvenires”. Do fio dental da capa de “Eurovisão”, ao charuto do vídeo “Biltre”, passando por “posters” e “creditações” de concertos. Entre ícones religiosos e pornográficos, o espaço reflete a dimensão pop-satírica, inteligente e criativa de um dos colectivos mais carismáticos e cativantes da cidade. “Esta sala não tem nada a ver com os Galitos da Foz onde ensaiávamos. Aqui temos mais espaço, intimidade, um ambiente interessante, onde tudo pode acontecer”, afirma o Líder recordando ainda que quando ensaiaram o tema “Caracoroismo”, do mais recente “Eurovisão”, tiveram um senhor africano, cliente de um restaurante das vizinhanças, a dançar cuduro à porta da sala de ensaios.
Para além do Stop, existem outros espaços comerciais de menor dimensão que também albergam projectos musicais. Roteiro complementar inclui, entre outros, o Sírius por onde passam entre outras bandas X-Wife, Prostitutes e Holocausto Canibal.




(continua)

Sunday, September 17, 2006

"Waiting for the Sun"

Esperei toda a semana pelo nascimento do novo Sol. Sinceramente, não me arrependi. Gostei do que li. Inteligente como projecto jornalístico, o novo semanário para além de ocupar um importante espaço na imprensa escrita, vem, desde logo, animar um mercado que, há quase meia década, necessitava de um abanão para sacudir o excesso de conservadorismo e absorver alguma, da tão necessitada, inovação. Com as falências d´"O Comércio o Porto" e d´"O Independente", a mudança de sexo do "Blitz" e o declínio do "Expresso", o "Sol" vem, de facto, brilhar e mostrar que a vida é possível em cenários de crise, trazendo novos públicos para a leitura dos jornais e roubando alguns, não muitos, ao "Expresso".
No corpo do semánário surpreendeu-me, logo a abrir, a "Entrevista Imprevista", de José Fialho Gouveia à socióloga Maria Filomena Mónica; o editorial de JAS sobre o encerramento das maternidades, assunto importante não só pela natureza política "contranatura" de um governo dito socialista, mas também pelas gravíssimas consequências sociais. Com a secção-mãe "Política&Sociedade" a mandar no jornal, seguem-se temáticas mais populares de crimes, alguns com outros sem castigo, em "Conversas na Prisão" e "Asfalto", entrecurtadas com reportagens de descompressão como "Jornalista aos 13 anos" ou "Mais fácil ser mãe", num regresso à terra dos zés e das marias, do Portugal profundo afastado os corredores de S. Bento.
Com tema de capa "Bebés Trocados", uma novela da vida da real, uma clara piscadela de olho ao público feminino, na "Tabus" surpreendeu-me sobretudo a veia de crítico cinematográfico de Paulo Portas. Uma delícia.
Em termos gerais gostei do projecto, espero e desejo um futuro radioso para o "Sol". Não é todos os dias que nasce um jornal num país onde ler é quase um acto de resistência cultural.

Friday, September 15, 2006

Crítica: Experimentar um "Dia Maior"


Condenado a sobreviver aos constrangimentos da ordenação do real, a dualidade do corpo produtor/descodificador de signos adquirire o seu significado mais puro no confronto com o Outro. Partindo de um contexto de trabalho experimental, a coreógrafa Né Barros percorre o território das tensões da comunicação e dos sentimentos rumo ao transcendente. Em “Dia Maior”, o tempo reclama a dimensão fragmentada das emoções físicas. Existirá um sentido supremo que encontre no corpo em movimento, veículo do pensamento simbólico, o seu sustentáculo primordial?

Depois do sucesso da proposta “Vaga” (2003), na qual Né Barros explorou inteligentemente ambientes densos e formalizantes, ampliados via “hi-tech” pelo uso expressivo e desconcertante das “malas-monitor”, construindo uma gramática relacional exploratória dos constrangimentos ambivalentes do “corpo-máquina” e das rotas de aproximação e afastamento emocional e identitário com o Outro, a expectativa em torno do mais recente projecto da co-fundadora do Balleteatro atingiu um ponto superlativo no interior da comunidade da dança contemporânea.
Quem alimentou desejos de assistir a um “remake” técnico ou um “upgrade” estético do trabalho anterior ficará certamente desiludido. Co-produzida pelo Teatro Nacional de S. João (TNSJ) e Balleteatro, a nova proposta, assinada pela coreógrafa portuense, não repete fórmulas de sucesso, evita o lugar seguro e confortável do êxito, avançando com ousadia e criatividade para a exploração de novos territórios de pesquisa do movimento, forjados no experimentalismo matricial, no antidesejo da permanência, na mutabilidade dos corpos e na partilha contagiada e contagiante dos significantes.
Despido de tecnologia ambulatória, isento de objectos apêndices em movimento e da rigidez formal e racionalizante do seu trabalho anterior “Vaga”, “Dia Maior”, em estreia absoluta no TeCA, gerado do ventre de um contexto de trabalho manifestamente ensaísta, revela uma sobriedade interpelativa, nua de preconceitos e inspiradora de movimentos, abrindo novos espaços, tão criativos quanto generosos, de acolhimento e procura, de análise e interrogação, prontos a serem ocupados pela epifania do Outro, no confronto das múltiplas relações e sentimentos, na proximidade primária intrinsecamente violenta da paixão e no isolamento social das multidões que anulam o indivíduo face ao seu desejo frustrado, consequentemente, auto-antropofágico e alucinatório.

A contaminação do Outro no acto criativo
Uma das características mais relevantes da coreografia “Dia Maior” pertence ao âmbito da esfera metodológica, contagiada, desde a sua concepção, pelo paradoxo do abandono vigiado, a criatividade num contexto analítico. Pela primeira vez, o compositor Alexandre Soares, colaborador habitual de Né Barros, em trabalhos como “Voom” (1999), “No Fly Zone” (2000), “Exo” (2001) e “Vaga” (2003), sobe ao palco num contexto de um espectáculo de dança contemporânea, assumindo uma (ex)posição e um diálogo constante e permanente com os movimentos de construção corporal dirigidos por esta coreógrada sobre o elenco constituído por sete intérpretes. Ao contrário de “Vaga”, em “Dia Maior” hay banda. Evita-se a gravação, partilham-se, em formato live, signos dentro de uma base narrativa comum em constante reformulação. “Dia Maior” traduz a rendição consciente em direcção a um dinamismo experimental ousado, sustentado por uma rede estrutural genealógica próxima do invisível e inaudível.
Grande parte da composição de Alexandre Soares nasce em palco, resultando de (re)encontros, (re)interpretações e confrontos com a coreografia visceral de Né Barros, que, passível de escrita e fixação, tal como os signos musicais de Alexandre Soares, abre lugar à polissemia, à imagem e à metáfora, gerando infinitos espaços de interpretação, campos aráveis, ávidos de exploração de sensações relacionais de impacto e divergência, numa sintonia relacional com a acção despossuída da coreógrafa como a sua criação, com a sua coisa amada, com o objecto do seu desejo artístico. É neste território aberto que o Dia é, de facto, Maior. A comunicação no e com o outro transforma-se em epifania, em Outro, em revelação na diferença e na complementaridade, perfusão e confronto, muitas vezes violentos, sobretudo urgentes na descoberta de sentimentos e identidades.

A austeridade metafísica do espaço experimental
Apesar de nem sempre explícito ou conscientemente expressado, existe em Né Barros um desejo de encontro com o transcendente, calcorreando o caminho do desconhecido rumo a uma certeza inalcançável. É num espaço nu e austero, desprovido de acessórios e desmembrado de próteses tecnológicas; território utópico destituído de simulações, vazio de convenções arbitrárias, onde se procura o movimento e o som primordiais, representativos de toda uma exploração de relações de proximidade e afastamento. A busca de uma terra, simultaneamente, de ninguém e de todos.
O cenário de “Dia Maior” reflecte essa austeridade fértil, colocando o corpo solitário ou em multidão no centro de todas as atenções como emissor preferencial de signos, como veículo de comunicação com o infinito. É pela carência de significantes, que a comunicação do corpo se torna mais esclarecida e menos ambígua. A atmosfera cénica, plástica, assim como todo o ambiente estético do espectáculo insinua o princípio do despojamento como via para o encontro mais autêntico com o absolutamente Outro. Para tal, urge evitar o excesso de significação e a superfluidade de convenções arbitrárias. É indispensável aniquilar as tentativas de apreensão e ordenamento da realidade, a categorização que suspira pela construção de um universo artíficial, de uma compreensão e comunicabilidade racional alienante e alheia à ontologia humana, abstração que, através de um exercício formalizante, gera na alma um ruído tão agónico quanto alucinador. As consequentes (dis)funções e fugas, os constrangimentos nas relações e identidades pessoais são, desde logo, reveladas nos movimentos construídos e dirigidos por Né Barros em micronarrativas, onde os corpos alternadamente se oferecem e se submetem numa relação de poder, que tem como leit motif o contraste: a luz e as trevas, o interior e o exterior, a felicidade e o descontentamento. O acordar em branco no princípio de um dia qualquer, o movimento que avança por tensões sexuais irresolúveis, a queda abrupta dos corpos na impossibilidade de se cumprirem em si mesmos, a repulsa do encontro com o outro, a disfuncionalidade do físico que se revela incapaz de satifazer o desejo em toda a sua extensão e profundidade, o cansaço da morte como esperança última de um infinito invisível são alguns dos quadros em movimento num “Dia Maior” que nos habita a todos.

Os movimentos curvos do tempo relacional
O tempo é o espaço de encontro entre o corpo e o som.
O tempo, numa complementaridade de contágio com as sonoridades de Alexandre Soares, surge como um espaço coreografável de ligações, emissões e construções simbólicas. O corpo, por influência do tempo, sofre mutações constantes e não lineares, criadoras de transformações na identidade e na comunicabilidade.
Dos círculos formados pelos bailarinos à volta de um outro isolado até à frase: “tive uma sensação estranha durante cinco segundos”, Né Barros vai percorrendo diversas problemáticas contemporâneas relacionadas com a realidade e o tempo: da Relatividade de Einstein à Quântica de Bohr.
O movimento de formalização colectiva de ordenação convencional do tempo entra em rota de colisão com a realidade científica do fenómeno “per si”; o tempo é uma função de vários factores. Abrindo a paleta de constrangimentos interpessoais ao tempo, os desejos predefinidos parecem morrer ao adquirirem a consciência da impossibilidade do real, deambulando sobre situações extremas e agónicas de isolamento, rumo a um cenário próximo da esquizofrenia.
No confronto com o Outro, a construção da teia de relações, em cenas dramáticas, do indivíduo em queda e em reclusão, do eu deprimido e oscilante como o tempo, fisicamente curvo, encontra na estranheza, na disfunção, na ambiguidade, um tempo interior substancialmente diferente do outro exterior.
O carácter simbólico do título “Dia Maior” atribui uma adjectivação de superioridade a um período convencionado de 24 horas, realçando a evidência física do próprio movimento. Existem dias maiores no interior das 24 horas. Algo semelhante concretiza a tosca expressão do vulgo perder tempo, criando uma relação simbólica de poder com o tempo, atribuindo-lhe uma presença preensível, sensitiva e táctil, como imagem de um qualquer outro objecto do quotidiano, passível de desaparecer por entre os dedos de uma mão ou cair inadvertidamente pelo bolso roto de um casaco.
Em “Dia Maior”, o tempo pertence à esfera do abstrato-individual. Né Barros constroi simbolicamente movimentos temporais diferentes que se cruzam, anulam e complementam. Do acordar solitário à interpelação falhada do “tu?”, que ignora a identidade e a presença do outro, existe um espaço de memória que se confunde com a realidade concreta reformulando-a em dimensões temporais diversas.
Sublinhe-se, finalmente, a perfusão do tempo real-imaginado que encontra na memória um operador de metamorfoses. A realidade temporal do corpo imóvel do intérprete que clama por atenção, exigindo um confronto que não se concretiza, é substancialmente diferente do “objecto” desejado em movimento. Num beijo, cada lábio deixa a sua impressão digital na memória.
Neste trabalho de Né Barros, a problemática da memória no e do corpo reaparece em palco de forma ainda mais intensa. Se em “Vaga”, a utilização de tecnologia como extensão sugeria uma memória virtual como simulacro comunicacional estático, rígido, preensível em ruídos fixos, a tendência experimental da metodologia representativa de “Dia Maior” sugere uma reflexão da memória como um movimento dinâmico, flexível, inapreensível e sujeito a acidentes infinitos, como a própria vida.

Sunday, September 10, 2006

Entrevista a Mário Cláudio:Parte II


- Existe um sentido profundamente humanista na sua triologia. A alma humana é a matéria-prima sobre a qual, como um artesão, gosta de rendilhar, trabalhar, escrever…

Realmente, como disse, a matéria-prima do ficcionista é a alma e o comportamento humano. Tenho dificuldade em conceber universos literários que não tenham a ver com isso.

- Nesta triologia aborda o exílio relacionando-o com a problemática das minorias e do poder sobre elas exercido. Convoca personagens tão diferentes em idade, raça e mesmo época. Porquê?

É interessante a palavra que utiliza, pois caracteriza absolutamente aquiolo qe pretendo: exílio. O que quis foi precisamente fazer o retrato de pesssoas que estão à margem, que estão exiliadas em relação ao veio comum da existência.
No primeiro caso eram pessoas tão marginalizadas que estavam dentro de uma cadeia; no segundo, crianças marginalizadas do ponto de vista rácico e etário, neste caso são as pessoas que estão marginalizadas por atingirem uma certa idade. Algo que assistimos cada vez mais na nossa sociedade.
Tudo isto me leva a que se possa pensar nas relações de uma forma diferente. Essa marginalização resulta sempre de uma determinada concepção de poder. Que é o poder da maioria representada pelas pessoas adultas de uma raça que é a dominante. Em todo este processo há um potencial enorme de humanidade que é desperdiçado. Se pensarmos, por exemplo, no velho desta história, o melhor da sua obra foi produzido nos últimos anos da sua vida.

-Acredita que essa frase também se pode aplicar a si?

Gostaria que aquilo que produzo fosse sempre cada vez melhor. Mas, acredito que, de uma maneira geral, há uma tendência no mundo de hoje para uma hipervalorização do adolescente, sobretudo jovem adulto em desprimor de outras idades. Na sociedade em que vivemos, a partir dos 35 anos, as pessoas começam a ficar fora da vida. Desde logo, começam por ter grandes dificuldades em arranjar emprego. Depois assistimos a fenómenos de metamorfoses terríveis e em nada dignificantes de jovens que querem ser mais velhos e velhos que querem ser mais jovens. Assistimos a isso diariamente, desde operações plásticas, até ao culto da energia física que roça por vezes o caricato e que depois tem outras formas de exteriorização, como o vestuário, por exemplo.

- Não poderá existir um factor de medo, que, de certa forma, impede um encontro autêntico com o outr, provocando situações de exclusão e exílio?

Claro. A raíz dessse fenómeno é precisamente o medo. É o medo de ser destruído pelo outro que leva a meter as pessoas nas cadeiras. É o medo de ser submergido por uma cultura diferente, no caso do racismo, que conduz ao exílio. É o medo do que está para além da vida que aflige muito os jovens. A tendência é para se esconder tudo o que é motivado pelo medo. Esconde-se na cadeia, numa ilha num lar da terceira idade.

Friday, September 08, 2006

Entrevista a Mário Cláudio: Parte I

Com o romance “Gémeos”, editado pela D. Quixote”, Mário Cláudio encerra a triologia iniciada com “Ursamaior” sobre a problemática do exílio e a forma como as minorias são afastadas do teatro social, castrando a própria humanidade da sua essência plural e consequentemente criativa. Partindo do geral para o particular, uma entrevista sobre a forma, o pensamento e o conteúdo da escrita de um dos mais importantes romancistas da língua portuguesa.

- Os seus romances são reconhecidamente exigentes para com o leitor. Tendo um conhecimento tão profundo e amplo de múltiplos registos linguísticos, porque é que opta por uma escrita tendenciamente barroca.

O estilo de um autor não é uma questão de opção, mas sim de natureza. Escrevemos aquilo que somos e não como gostariamos de ser. Tendo-se uma estrutura de carácter excessiva, barroca, não se pode escrever de forma neo-clássica, por exemplo. A maneira como se escreve, o estilo que se adopta, é reflexo da maneira com somos construídos por dentro, isso não se pode alterar com facilidade.

- Suponho que possui uma certa pulsão para o perfeccionismo.

Sem dúvida. Não sou capaz de escrever seja o que for senão em termos de uma grande exigência comigo próprio. Quero assumir a responsabilidade por tudo o que escrevo. Gosto de responder por aquilo que faço de uma forma absoluta e isso leva-me a não poupar esforços para que aquilo que escrevo corresponda o mais exactamente possível àquilo que quero.

- A ignorância não serve de desculpa para o erro…

Acho que assim como se diz que a ignorância da lei não aproveita a ninguém, não entendo que um autor se possa acobertar de qualquer desculpa baseada na ignorância. O leitor tem o direito de exigir o máximo do autor e o autor tem o direito de produzir esse máximo sem se preocupar excessivamente com a opinião do leitor.

- É precisamente o seu caso, é, indubitavelmente, um dos romancistas portugueses mais exigentes para com os seus leitores…

…mas essa exigência começa por mim. Sou exigente comigo e depois, evidentemente, as pessoas que me lerem são livres de aceitar, não aceitar, de entender, de não entender. A função de escritor não é tornar-se legível. A função do escritor é tornar-se autêntico.

(continua)

Sunday, September 03, 2006

O Alquimista da Aldeia


António Fontes caminha devagar. Gosta de sentir a calma das árvores e o cheiro da terra. É um ser telúrico. um homem da aldeia, um guardador de rebalhos. A sua aldeia é o mundo, as suas ovelhas são as tradições e a identidade popular de Montalegre. Ficou conhecido por organizar o Congresso de Medicina Popular em Vilar de Perdizes, mas por detrás dessa "imagem de marca" existe um ser detentor da sabedoria profunda do tempo e da magia serena e simples unicamente acessível a quem consegue ver Deus nas pequenas coisas.
"Vejo-me como um homem da aldeia". Uma aldeia onde rituais, preces e festas se misturam com o árduo trabalho do campo e com a aspereza rude do clima transmontano. António Fontes nasceu numa aldeia, Candezes do Rio, vive em Vilar de Perdizes e não troca a sua aldeia por nenhum palácio dourado. Recebe os amigo com presunto no verão e castanhas no inverno. É genuíno, sereno e gosta de pequenos rituais como a "queimada". Coloca o açucar no fundo do pote, rega-o com bagaço e incendeia-o. Depois verte lentamente um fio de vinho tinto, espreme umas gotas de limão e introduz, com uma atenção e cuidado cirúrgicos, pedaços de maçã e um ponhado de grãos de café. As chamas purificadoras elevam-se no ar e transformadas numa cascada de fogo subtraem ao espírito a malignidades indesejada, adicionando ao corpo a vitalidade necessária para enfrentar a dureza de mais uma jornada.
O padre Fontes gosta de servi e de ser para os outros uma extensão, uma elo e um sinal de Deus. Gosta de gerar comunhão numa utilidade ritualizada em cada gesto em cada palavra. Ao realizar "a queimada" esbatem-se as ténues fronteiras entre sagrado e profano. "O que é tido como sagrado é muitas vezes metido entre paredes e lugares sagrados, como é o caso de igrejas, capelas ou santuários, mas o sagrado passa para fora desses espaços. Existe sagrado misturado com o profano, que é o sagrado da rua, dos cafés do trabalho, e que vai com o homem e a onde está o homem está Deus", afirma.
A sua paixão pelos rituais presentes na sabedoria do quotidiano da gente simples acompanhou de mão dado o seu desejo de ser sacerdote, desde tenra idade. Aos 19 anos, ainda no seminário de Vila Real, dinamizava, paralelamente aos ritos comuns, actividades semi-ocultas, semi-públicas, semi-privadas, semi-legais que lhe custaram a expulsão. "Uma festa sagrada - explica - é composta por partes profanas e a fasta profana é composta pelo seu inverso. Acharam que eu fui a parte profana e não a parte sagrada". Convidado a reentrar, sentiu um novo alento e uma nova confiança . Prosseguiu os seus estudos de teologia e abraçou o sacerdócio em 1961. "Optei por continuar no seminário com esta olusão de fazer da Igreja uma Igreja mais viva."
Actualmente dedica-se a promover, divulgar e interpretar a cultura popular da região de Montalegre, que permanecia esquecida no anonimato. Na realidade, ninguém tinha falar de Vilar de Perdizes até o padre Fontes organizar os polémicos e mediáticos congressos de medicina popular que lhe valeram algumas repreensões por parte do episcopado, nada a que desde jovens já não tivesse habituado. "Aproveitei os congressos - diz - como um trampolim para revitalizar a aldeia e para chamar a atenção da opinião pública para uma zona carenciada e abrir as portas ao mundo para aquela zona através da cultura popular."
Uma cultura presente nas gentes que pisam o chão da sua aldeia. O padre Fontes é um homem que olha para o mundo como "o espaço onde Deus habita e o homem coabita" e vê em Deus uma paragem obrigatória ruma à felicidade. "Se o homem descobre que o mundo está habitado por Deus pode fazer o paraíso na Terra, se não descobre Deus faz o inferno para ele e para os outros", afirma. Mas descobrir Deus num mundo cada vez mais complexo não é tarefa fácil. A nossa aldeia global tem múltiplas cidades e guetos, tem labirintos de alienação, egos do tamanho de catedrais e mensagens trocadas, obstáculos que ocultam o divino, escravizando o humano. "Há mais tentativas para ocultar o divino do que para o mostrar. É necessário parar um pouco, olhar para o caminho e ver se vale a pena ir."
Gosta de ler e de sentir. Gosta de aprender. Actualmente tem entre mãos uma tese de mestrado em comunicação social para avaliar. Foi convidado como júri pela Escola Superior de Jornalismo do Porto. Livros de cabeceira não tem. Não gosto de ler na cama, mas de vez em quando pega, pega em três livros italianos sobre a etnografia dos Alpes e lê excertos até que o sonho vença e acabe por adormecer. Os seus temas preferidos giram em torno da etnografia, antropologia, sociologia e religião popular.
O padre António Fontes tem 61 anos e é um homem da aldeia, um guardador de rebalhos. A sua aldeia é cada vez mais o mundo, e as suas ovelhas as tradições. Retira da Terra e do Céu a essência das coisas simples em rituais feitos de alteridade, alquimia e muita fé.