Deixei de fumar e de beber álcool. Provavelmente das incontáveis decisões que tomei em 32 anos de vida, estas duas, estão, indubitavelmente, no "top ten" das mais acertadas. Os resultados positivos ao nível da saúde, da mente, do espírito e das finanças não se fizeram esperar, são imeditados. Esta é uma realidade inquestionável. Em todo este processo observei alguns fenómenos que podem ser úteis para quem está a pensar em deixar de fumar. É unicamente com essa intenção que escrevo este texto e por acreditar, sinceramente, que se eu consegui, qualquer pessoa também pode conseguir, pois, acreditem não tenho uma força de vontade particular
mente grande ou uma elevação de espírito fora do comum, bem pelo contrário.
Devo começar por dizer que não acredito que seja ideal deixar de fumar com reduções ou medicamentos. Tomar pastilh
as, contar cigarros e coisas do género. Já tentei e não resultou. Para mim as reduções são como chegar a uma bifurcação e meter um pé em cada caminho. Não se vai a lado nenhum ou, na melhor da hipóteses, caminha-se devagar ao pé coxinho. Quando se tira um adesivo da pele, o ideal o que este saia o mais depressa possível. Também não acredito em medicamentos de substituição, exactamente pelo mesmo princípio, o de continuarem a injectar nicotina.
O nosso corpo naturalmente sabe o que é melhor para nós. Se necessitássemos de nicotina para viver não teria deixado de fumar, nem estaria a escrever este texto.
É ridículo, depois de ter deixado de fumar, encontrar pessoas que têm uma autoconfiança muito maior do que a minha a dizerem-me que não possuem força suficiente para deixar de fumar. É um engano induzido na mente pela nicotina. Sempre que pensava, mesmo superficialmente, em deixar de fumar, a nicotina levantava-se e dizia-me exactamente a mesma coisa, que não iria conseguir, que não era capaz, o melhor é desistir da ideia o mais depressa possível, deixar as coisas como estão porque para deixar de fumar é necessário ter uma força de vontade enorme, algo que obivamente não tenho. É necessário ultrapassar esta mentira e olhar para a realidade de forma objectiva. Prova de que é mesmo uma mentira é que deixei de fumar.
Qualquer ser humano é capaz de deixar de fumar. Durante muitos anos acreditei erradamente que não conseguia. É incrível como esta ilusão, esta mentira, do "não consigo, não é para mim", é tão poderosa. Milhares de fumadores com mais força de vontade do que eu ainda acreditam nela e, apesar de quererem deixar de fumar e de terem todas as capacidades para o fazerem, continuam a acender cigarros simplesmente por que esta mentira, como um pano negro, os impede de ver a força interior que na realidade possuem.
Não fumar vai de encontro à verdadeira natureza do corpo e da mente. O ser humano naturalmente não fuma. Deixar de fumar custa, exige esforço, mas
a natureza está do nosso lado. Esse esforço não é tão grande quanto a nicotina nos faz acreditar. Ao longo do processo vamos tendo consciência disso mesmo. Ela exagera pois sente-se desde logo ameaçada. Sabe que a sua vida está em perigo, tenta proteger-se. Não está a pensar em nós, no nosso bem estar, mas no dela. Na verdade, o nosso bem estar, a nossa saúde passam precisamente pelo caminho oposto, por não fumar, por expulsar a nicotina do nosso organismo. Ela conhece o nosso verdadeiro poder, sabe que somos capazes, sabe a força verdadeira da nossa natureza e da nossa capacidade de escolhermos o melhor para nós próprios, sabe que temos todas as ferramentas e a força necessárias para deixar de fumar, para mudar de caminho. E isso assusta-a.
Quanto maior é a nossa consciência do medo maior é a nossa capacidade de o vencer. A nicotina sabe disso, dai jogar com essa arma, esse trunfo, essa mentira, do não és capaz de me vencer, de me olhar nos olhos, de me expulsares de ti, do teu organismo. Na verdade, trata-se de um processo de purificação muito parecido com um exorcismo. A relação entre fumador e nicotina é de poder pela conquista e domínio de um espaço. A nicotina é tão inteligente que, em alguns casos, mexe com a auto-estima e com o ego do fumador, colocando como credível a possibilidade da nossa vitória, mas num futuro suficientemente distante e improvável para não termos de fazer nada e continarmos como estamos, convencendo-nos, por exemplo, que só com um grande susto, uma doença grave, é que seriamos capazes de deixar de fumar. Nada mais falso.
As motivações para deixar de fumar são internas e não externas. Milhares de pessoas deixam drogas duras, superam situações bem mais complicadas, simplesmente por que se mentalizaram de que é necessário escolher a vida. Afinal quem manda em si? Na realidade, certamente já passou por situações objectivamente mais complicadas e difíceis, que exigiram esforços superiores ao de deixar de fumar.
Deixar de fumar está ao alcance de qualquer pessoa. E antes de ser fumador, é-se a pessoa, esta é a primeira grande verdade que é necessário acreditar, interiorizar, mentalizar.
Estou convencido que o sucesso no deixar de fumar reside essencialmente na interiorização de factores internos (convicções e crenças) e não tanto em "coisas" externas (amigos, medicamentos). Num terramoto não é a pintura da fachada da casa que vai manter o edifício em pé, mas sim a profundidade e solidez dos alicerces. Então antes de deixar de fumar importa identificar as convicções que nos podem ajudar e servir de alicerces nos dias de tempestade. Para tal, basta
olhar para a realidade como ela é e não como gostariamos que ela fosse.Vamos reparar que na realidade o ser humano não foi feito para fumar. Ao deixar de fumar, a natureza está do seu lado. E é um aliado muito poderoso. O nosso corpo irá naturalmente expelir, expulsar a nicotina. Na realidade, o nosso corpo e a nossa mente não só não necessitam da nicotina, como também vivem ou ansiam viver muito melhor sem ela. Deixar de fumar é por isso um acto lógico, ajuda o nosso corpo e mente a encontrarem a harmonia e o equilibrio próprias da sua natureza mais profunda. Na verdade, nunca ninguém morreu por deixar de fumar, bem pelo contrário, milhares de pessoas, morrem diariamente precisamente pelo movimento oposto, por fumarem. Ao deixar de fumar está a ir de encontro à vida, à realidade mais básica e elementar da sua existência.
Tal como a primeira mentira do "não tens força para conseguir", quan
do deixei efectivamente de fumar, a nicotina começou passados 15 minutos a atirar-me com outra mentira: a pedir-me mais nicotina como esta fosse a coisa mais importante para mim, algo essencial para a minha sobrevivência. Tive logo vontade de acender um cigarro. Esta vontade é sinal que de se está no bom caminho. Na realidade, a vontade de fumar é um grito de desespero da nicotina que encostada contra a parede, vê que está a morrer e grita por ajuda. Esse grito materializa-se numa sensação de cobiça por mais nicotina. Se você a ajudar está desde logo a multiplica-lhe a força. Importa estar preparado para esta sensação, para estes gritos, pois ao vencê-los estamos a dar um passo muito importante, essencial mesmo, para nos libertarmos desse inimigo. Para vencer essa sensação de cobiça, em vez de ignorá-la, importa conhecê-la, olhar de frente para a sua verdadeira natureza. Na realidade, se pararmos um pouco e olharmos para essa sensação, tomamos consciência de
três verdades que, para mim foram essenciais para deixar de fumar.
Primeira: a verdadeira natureza das sensações é serem impermanentes, serem passageiras, elas desaparecerem tão rapidamente quanto aparecem. O vontade de fumar não é excepção. A vontade de fumar, como cobiça, ergue-se como se fosse uma montanha intransponivél para passados apenas cinco ou dez minutos desaparecer e transformar-se num vale pleno de paz. Não vale a pena ceder a algo que cuja natureza é tão inconsistente, volátil, que aparece e desaparece passados apenas alguns minutos.
Segunda: quando observada objectivamente, para além de passageira, a natureza da vontade de fumar diminui de intensidade com o passar do tempo.
Terceira: o nosso organismo funciona naturalmente melhor sem nicotina e na realidade não necessitamos de fumar. Ninguém morreu por ter deixado de fumar, bem pelo contrário. O normal no ser humano é não fumar.
No entanto, a nível mental, a nicotina ainda tem alguns trunfos e mentiras na manga, estes podem deitar tudo a perder. Depois de estar algum tempo sem fumar, como uma semana ou duas, a nicotina joga a sua última e poderosa cartada. "Agora que consegues controlar o tabaco podes certamente fumar um cigarro ocasionalmente, depois das refeições, por exemplo, que não vai passar nada. Podes até comprar uma marca de cigarros mais cara que o maço durará uma semana. Enfim, não gastas dinheiro nenhum e também não estragas assim tanto a saúde". Outra mentira. A do autocontrolo. Poderosa pois mexe com o "ego". É a inversão da mentira inicial, do não tens força para deixar de fumar. Agora a mentira é exactamente a oposta. Já tens força para controlar complemente a Nicotina. Mentira. Nesta fase, ainda não tens força para fazer tudo o que te apetece. A nicotina está a tentar inverter o processo da habituação para ver se consegue recuperar o terreno perdido e readquirir controlo da mente. É extremamente importante não ceder. Se despirmos esta sensação da sua forma e olharmos para o sua essência, o contéudo é exactamente igual à primeira mentira que nos veio à mente logo que pensamos em deixar de fumar: é cobiça por um cigarro. Resista à tentação de comprar um maço de tabaco e fumar. Nesta fase se voltar a acender um cigarro, este vai saber incrivelmente mal, pois o seu organismo está mais limpo, está a recuperar o seu equilíbrio natural. Se cair na tentação, lembre-se desse sabor desagradável que acabou de experimentar e do caminho que já percorreu. Se comprar maço atire-o fora. Tenha em mente esse sabor desagradável. Nunca mais o vai querer dentro do seu organismo. No seu corpo quem manda é você e não o cigarro. Tendo sempre presente a verdade da impermanência das sensações, certamente conseguirá deixar de fumar. É algo que está ao alcance de todos. Força. Só está derrotado quem não tem coragem para dar o primeiro passo.