Thursday, December 30, 2004


"O Regresso" Posted by Hello

Filme Internacional do Ano: "O Regresso" de Andrei Zviaguintsev

Indubitavelmente o melhor filme que tive a oportunidade de ver este ano. "O Regresso", primeira obra do cineasta russo Andrei Zviaguintsev, 39 anos, afirma-se como uma película de densidade, beleza e drama superior. A narrativa gira em torno do misterioris regresso do pai a casa e das relações emocionais subsequentes entre os dois irmãos e a figura paterna. Diálogos inteligentes, fotografia encantatória, planos desconcertantes numa obra que importa conhecer. O filme conquistou no Festival de Veneza em 2003 o Leão do Futuro - Melhor 1.ª Obra. Após um década a trabalhar como actor, Andrei Tarkovski afirma-se como um realizador de enorme talento e sensibilidade artística. Uma das melhores propostas cinematográficas exibidas em 2004 nos cinemas nacionais.

Wednesday, December 29, 2004


"Rosa Carne" Posted by Hello

Disco Nacional do Ano: "Rosa Carne" dos Clã

Da colheita discográfia nacional 04, destaque praticamente inevitável para o registo "Rosa Carne". Se o ano passado foi indubitavelmente o ano dos Blasted Mechanism, 2004 fica marcado pelo colectivo de Vila do Conde. Para além do excelente trabalho de estúdio e do aproveitamento de letras de Regina Guimarães (colaboradora dos Três Tristes Tigres e na sétima arte de Paulo Rocha), de Carlos Tê (Rui Veloso) e Adolfo Luxúria Canibal (Mão Morta), a banda de Manuela Azevedo concretizou uma superlativa digressão nacional, com concertos tão marcantes como o de apresentação do registo no Teatro Sá da Bandeira ou nas Noite Ritual Rock, nos jardins do Palácio de Cristal.Outros registos "made in Portugal" a ter em conta este ano são "Nus" dos Mão Morta; "Bom Dia" dos Pluto, ambos revelados também nas Noites Ritual, "Cinema" de Rodrigo Leão, "AM/FM" dos The Gift, recordar passagem "live" no Rivoli, devidamente comentada aqui no vício, e finalmente, "Feeding the Machine" dos X-Wife. Xutos, Moonspell e Jorge Palma, com "Mundo ao Contrário", "Antidote" e "Norte", limitaram-se a repisar terrenos seguros e pouco arrojados, não acrescentando nada de substancial às suas discografias.

Tuesday, December 28, 2004


Vítor Rua Posted by Hello

Concerto do Ano: Vítor Rua no Contagiarte

Sinceramente ignorei a dose dupla de Madonna do Atlântico e fiquei pela minha aldeia. Num 2004 algo deprimente em termos da passagem pelo Porto das grandes digressões europeias, considero que a prata da casa acabou mesmo por valer ouro. O concerto de Vítor Rua no espaço Contagiarte foi para mim o momento "live" ´04. Estive entre as 20/30 pessoas que assistiram a uma boa hora e meia de improvisação de Rua numa guitarra de oito cordas. Entre muito suor e litros de virtuosísmo, este ano o concerto mais interessante foi "after-hours" e num local algo inesperado...

Sunday, December 26, 2004

Confessionário 2004

Aproveitando as férias de Natal ´04 e antecipando, desde já, o nascimento de um novo ano, gostaria de, com este post, saber quais os momentos culturais mais marcantes de 2004. Daí que inauguro este confessionário, dado a palavra aos visitantes do blog. A ideia é partillhar experiências singulares e surpreendentes nos campos culturais (espectáculos de música, teatro, dança ou livros, CD´s, outros). O que fica na memória de 2004? O confessionário está oficialmente aberto...

Wednesday, December 22, 2004

Entrevista a Emmanuel Nunes: "Pior do que Santana será difícil"

Uma das mais importantes vozes mundiais na área da mœsica concretiza
uma radiografia do que é necessário mudar na política portuguesa e na gestão da Casa da Mœsica. Residente em Paris há praticamente quatro décadas, onde lecciona do prestigiado Conservatório de Nacional de Música, Prémio UNESCO, em 1999, Prémio Pessoa, no ano seguinte, um dos mais influentes compositores mundais, Emmanuel Nunes passou este domingo pelo Rivoli do Porto para assistir a antestreia da sua peça "Épures", interpretada pelo Remix Ensemble da Casa da Música. Aproveitei a oportunidade para entrevistar o autor de "Le Serpent Vert" e escutar as propostas, reflexões, pensamentos e críticas. O resultado final é demolidor para a classe política portuguesa e para a actual adminstração da Casa da Música.
- Tem um sabor especial ouvir a estreia mundial de uma composição sua em Portugal?
- Esta não é a primeira vez, já houve outras antestreias em Portugal, na Gulbenkian, mas não esta peça. É, sem dúvida um momento especial para mim.
- Continua desapontado com o facto de em Portugal não existir uma orquestra formada de raiz para a música contemporânea?
- Penso que não é necessário haver uma orquestra só consagrada à música contemporãnea. O que é necessário é que a mesma orquestra toque regularmente clássica e contemporãnea. A Orquestra Gulbenkian, que eu saiba, é a única que tem feito bastante no reportório contemporãnea. Mas, é de facto, importante ter uma orquestra sinfónica que esteja em permanente contacto o clássico e o contemporãneo.
- O projecto Casa da Música acredita que poderá ser importante na revonação e construção de novos pœblicos para a música clássica e contemporânea?
- Penso que sim. A minha questão é que haja um governo capaz de decidir. Não é o caso. É tudo um problema de política.
- Nessa matéria, permita-me reportar a outro Prémio Pessoa, Mário Cláudio, que recentemente, recordado o autor da "Mensagem", classificou de "provinciana" a mentalidade da classe política portuguesa, acusando-a de ter "pouco mundo". Partilha dessa adjectivação?
- Não iria tão longe. A palavra "provinciana" é demasiado geral. Agora, há necessidade de uma autêntica cultura política, com mais independência de subordinação económica e que saiba qual é a verdadeira importância da cultura para o país. Isso, sim acho que é muitíssimo importante. Tendo como primeiro-ministro que tivemos é obvio que não pode ser. Não sei se quem virá a seguir será melhor, mas pior é difícil.
- Como é que a comunidade internacional de compositores tem visto o projecto da Casa da Música? Sente que existe alguma curiosidade ou tem passado completamente ao lado?
- Tem existido interesse. Não se esqueça que o Remix é um grupo que hoje em dia já tem um início de uma carreira internacional. Agora, é como digo,o problema é quem é vai gerir a Casa da Música.
- Pensa que o modelo de fundação é o ideial?
Francamente não sei, não estou suficientemente informado nessa matéria. Mas como disse antes, reafirmo agora, o que eu acho é que a Casa da Música necessita de um conselho de administração bem
apetrechado musical e culturalmente. É o problema do Pedro Burmester
não estar no conselho de adminstração da Casa da Música.

Sunday, December 19, 2004

Moonspell injectam "antidote" no aniversário do Hard Club

Ao celebrar ontem sete invernos de algum descontentamento, o Hard Club quis provar que ainda esta muito "Hard" mantendo a dureza granítica original e a escuridão de noites passadas à beira Douro. Para reconstruir os ambientes fundacionais, o espaço convidou pela sétima ocasião os Moonspell. Entre agradecimentos pela oportunidade e recordações de noites de lua cheia, com vampiros à espreita e lobos a uivar, o colectivo liderado por Fernando Ribeiro deixou algumas novidades para 2005 num concerto baseado em "Antidote", proposta sonora 2004 coesa e interessante, construída sobre as atmosferas poéticas de José Luís Peixoto.
Num Hard Club a ameaçar esgotar, a noite pertenceu na integra as diversas tribos urbanas plantadas no território do metal de inspiração gótica. Para além da simbologia dos casacos de couro negros e cruzes ao peito da velha guarda do metal, a "generation next" apresentou-se com alguns toques de sofisticação algo surpreendentes, num "up grade" estético-tecnológico de telemóveis 3G apontados ao palco e generosos perfumes "made in France" transformados em armas químicas de sedução maciaça.
Num ambiente em tímida ebulição, os Moonspell esperara pelo sol da meia-noite para servir "Antidote" entrecurtado com algumas "oldies" em formato "best of", com destaque inevitável para os temas "Opium", WFull Moon Madness" e "Mephisto", com memórias do histórico "Irreligious", provavelmente o melhor registo da banda, a servirem de prenda de natal para o fãs mais "hard core" da banda de "WolfHeart". O concerto não trouxe grandes novidades sonoras, limitando-se a confirmar o excelente momento da banda de metal mais viajada do micro-cosmos luso, com destaque especial para a bateria de Mike Gaspar.
Dos projectos anunciados por Fernando Ribeiro, registe-se a confirmação de actualmente o colectivo se encontrar a trabalhar no sucessor de "Antidote", a edição para breve de um DVD antológico e ainda a promessa de regressarem ao norte do país, desta vez ao lado dos britânicos Cradle of Filth, num espectáculo para M/18 agendado para 26 de Março no Coliseu do Porto.
Consciente da festa de aniversário, Fernando Ribeiro não quis terminar o concerto de anteontem sem antes considerar o Hard Club um "caso impar no contexto das salas de espectáculo portuguesas". A banda irá continuar a trabalhar no próximo longa-duração e já próximo inicia em em Fevereiro parte para a estrada acompanhando a digressão europeira dos Cradle of Filth, de Bruxelas, a Amesterdão, de Oslo a Budapeste. Entretanto, o Hard Club prepara o "Natalapalusa" para a próxima quinta-feira e a passagem de ano com propostas d´n´b e hip-hop, entre os britânicos Total Science e dos dj´s nacionais com Nuno Forte à cabeça.

Saturday, December 18, 2004

"Cores, Figura e Luz" no Museu Soares dos Reis

Museu Nacional Soares do Reis (MNSR) inaugura hoje a exposição “Cores, Figura e Luz”. Trata-se de um breve mais representativo conjunto de 28 pinturas portuguesas geradas na primeira metade do séc. XVI. Reunidas e recuperadas dos acervos do MNSC e Museu de Arte Antiga, as propostas artísticas apresentam, desde logo, uma tendência figurativa de inspiração sacra, revelando um roteiro possível pelas principais oficinas de pintura durante o reinado de D. Manuel. Dividida em cinco núcleos, a exibição propõe pintura luso-flamenga; as incontornáveis oficinas de Lisboa; os trabalhos de Cristóvão de Figueiredo centrado nas histórias de Vera Cruz; as inquietantes propostas de Vasco Fernandes e da oficina de Viseu, encerrando com o inesperado maneirismo de Francisco de Campos.
Da primeira parte da exposição, o comissário José Alberto Seabra Carvalho salienta a oportunidade inédita do público poder comparar as pinturas “A Virgem com Menino Jesus do Trono” (1515-1518), “Virgem do Leite” (1520) e “A Virgem com o Menino” (1520), estas duas últimas da autoria de Frei Carlos, da importante oficina do Espinheiro, em Évora. “Há nas três obras uma linguagem comum de símbolos virginais e redentores de Maria, a nova Eva que intercede por nós no resgate do pecado original, centrada em emblemáticos frutos e flores do Paraíso”.
Num segundo momento, entrando no contexto artístico das oficinas de Lisboa, destaque para os trabalhos “Testemunho de S. João Baptista junto dos Sacerdotes e levitas de Jerusalém” (1535-154), “Santo António pregando aos peixes” (1535-1540) e “Ressurreição de Cristo” (1537), de Garcia Fernandes, que sublinham a união de dois momentos bíblicos sobre uma única pintura.
Entrando na terceira parte da exposição, o visitante é confrontado com obras de Cristóvão de Figueiredo, colega de Garcia Fernandes. Destaque evidente para o trabalho “Santíssima Trindade”, uma obra de tipo marcadamente iconográfico que apresenta uma imponente figura do Pai segurando o Filho crucificado com o Espírito Santo, em forma de pomba, repousando sobre a cruz. Apesar da temática da Trindade e da gramática pictórica ser recorrente ao longo da Idade Média, a abordagem de Cristóvão de Figueiredo sugere uma proporcionalidade figurativa não lineas com o hieratismo teológico dos respectivos elementos sacros.
Destaque final para as propostas centradas na narrativa de Vera Cruz representadas em dois trabalhos evocativos “Milagre da ressurreição do mancebo” e num terceiro “Stª Helena e o achamento das três Cruzes”.
No quarto núcleo, referente aos trabalho de Vasco Fernandes e à oficina de Viseu, o visitante é confrontado, desde logo, com as obras “Santa Catarina” e “Santa Luzia”. O comissário José Alberto Seabra Carvalho realça “a unidade compositiva e visualmente forte que as une como um cenário único amplia o efeito expressivo com a dura aridez da natureza representa”. Destaque particular para a imagem algo perturbadora de Santa Catarina que surge de pé, segurando uma espada, sobre o cadáver de um homem degolado.
Finalmente e a encerrar a exposição, o visitante a oportundade de se surpreender na secção “Um Inesperado Maneirismo”, com o “Pentecostes” de Francisco de Campos. Interessante trabalho de elevada densidade de objectos, com representações vários apóstolos e outras figuras sacras.
Inaugurada hoje ao público, a exposição “Cores, Figura e Luz” encontra-se patente no Museu Nacional Soares dos Reis, no Porto, até ao dia 3 de Julho de 2005.

Friday, December 17, 2004


Adolfo Luxúria Canibal Posted by Hello

Atmosferas nas Quintas de Leitura ´04

Indubitavelmente um dos mais interessantes e criativos projectos sobreviventes da Porto 2001 e, mais recentemente, do Euro 2004. As "Quintas de Leitura" no Teatro do Campo Alegre evitam operações plásticas com ou sem botox de outras celebridades ainda por (re)conhecer, desenhando momentos e atmosferas poéticas mais ou menos nobres numa cidade geneticamente lírico-depressiva. Com Nuno Júdice do topo da lista para os oscarizáveis da colheita 2004, ontem o evento encerrou a estação com a modesta proposta "Autógrafo, autocolantes", uma antestreia literária a editar em Janeiro pela Quasi, do encenador/actor Paulo Campos Reis. Nota mais para o pronto-socorro Ana Deus e o dimanismo competente e criativo de Alexandre Soares. Entre saudosos Tigres à beira do suicídio e recordações de Canijo numa desconcertante "Noite Escura", com criadora Regina Guimarães sempre à espreita, a componente musical acabou vencer a poesia, num duelo a evitar.
Em final de estação, conversei com João Gesta, confrontei memórias passadas e futuras, entre merecidos aplausos e confessadas angústias, pedindo num balanço anual e uma antevisão 05. Nos próximos dias revelarei mais detalhadamente algumas das novidades projectadas para a versão ´05, destacando, para já, em forma de "teeser" a presença de Vítor Rua, que, registe-se, este ano ofereceu um dos melhores concertos realizados no Porto, no espaço Contagiarte, que infelizmente passou ao lado dos "media" das especialidade, provavelmente destraídos com as festas de aniversário no Coliseu ou com as pop-stars do Atlântico.
Pelo caminho 04 entre poetas e músicos, recordo noites mal aproveitadas de Lúxuria e algum Canibalismo, momentos sonoros únicos e geniais com os "Uivos" de Adolfo e a Mesa bem posta de JPSimões. Registe-se ainda as descargas líricas de José Luís Peixoto em conversas off tipo Sic Radical.
Em noite de até para o ano fica um sinal mais para o cocktail nutritivo servido nas "Quintas" entre poetas novos a novos poetas passando por autores consagrados, sobra quase sempre boa música num dos espaços mais criativos e interessantes da cidade do Porto. Uma espécie "best of" do Pinguim com o olhar cultural virado para uma paisagem além Rio e Douro.

Thursday, December 16, 2004

Manoel de Oliveira: "onde está a inteligência dos homens?"

Noite de antestreias no 10 aniversário das salas do Cinema Cidade do Porto. Prato princípal "O Quinto Império - Ontem como Hoje", de Manoel de Oliveira. Guardo para 27 de Janeiro, data da estreia em Portugal, a respectiva análise crítica do filme. Para já ficam algumas pontos de reflexão e de intensão deixados ontem à noite em jeito de "flash-interview" pelo realizador. Não é de todo inocente a escolha pela peça de Régio sobre o mais poderoso mito da nossa cultura e nacionalidade. A actualidade da película é construída, segundo Oliveira, sobre dois pilares base: uma analogia política e uma inversão do confronto religioso. O primeiro considera a ideia de União Europeia próxima da noção de Quinto Imperio, tendo como pano de fundo o sonho, a loucura e a ambição centralizadora de El-Rei D. Sebastião, (nas palavras do padre António Vieira "um só rei, um só papa") e a sede constitucional e federalista da UE. Para Oliveira "a democracia tem vindo a aproximar-se da ideia do Quinto Império" ou seja um poder centralizador e globalizante que tende a "fazer uno e que é desuno". Do ponto de vista religioso, para o realizador as cruzadas do Desejado reaparecem invertidas: "agora são os muçulmanos contra os católicos". Finalmente, numa incursão teórica algo surpreendente, muito próxima da teologia da libertação e da ecologia humana de Gutierres a Boff, Oliveira relaciona ainda a problemática da globalização com a dignidade do homem e com respeito pelo meio ambiente, desabafando perante o suicídio da destruição do nosso habitat: "onde está a inteligência do homem".
Apesar concordar no essencial com Oliveira, importa, no entanto, separar as águas em termos do carácter imperialista da UE e do novo rosto do Império denominado de globalização. Enquanto o primeiro possui um suporte político que se encontra em crise por falta de espaço não ideológico mas sim empírico, em parte resultado de uma estrutura centralizadora cada vez mais barroca e incapaz de fazer frente ao poder económico; o segundo cresce precisamente pela subjugação da poder político e pela metamorfose perversa para uma estrutura já não unificada e piramidal mas antes descentralizadora com tentáculos semi-independentes capazes de se autoreproduzirem numa expansão que não reconhece fronteiras geográficas, nem necessita de referendos populares.

Wednesday, December 15, 2004

Evento/reflexão: Cinema na cidade do Porto

As quatro salas de cinema do Cidade do Porto celebram hoje dez anos de existência, aproveito a oportunidade para uma breve reflexão e algumas memórias sobre a sétima arte no Porto, mas primeiro fica o convite para logo à noite, a partir das 21h30, assistir a uma das quatro estreias em simultâneo que ocupam a quatro salas do Multiplex, numa amostra do que segue já para os ecrãs em Janeiro 05. Confirmadas estão também as presenças especiais do realizador Manoel de Oliveira e do actor Ricardo Trêpa, ambos tomam sobre si a responsabilidade de apresentar, em antestreia nacional o mais recente projecto de Oliveira: “O Quinto Império - Ontem como Hoje”, com estreia oficial marcada para o próximo dia 27 de Janeiro.
Volvida uma década sobre o pioneirismo tecnológico e dos sustos gerados pelos então inovadores sistemas de som Dolby Digital, com espectadores a saltarem das cadeiras e a reclamarem na bilheteira do Cidade do Porto pelos sustos acústicos, concretizando assim experiências cinematográficas feitas de emoções fortes, o espaço desenhado no atelier de Manuel Graça Dias e Egas José Vieira apresenta-se hoje como uma ilha de resistência cultural, revelando uma programação sustentável entre propostas "mainstream", como "Alexandre, o Grande", e produções de autor europeias, como "Olhem para Mim" de Agnès Jaoui, acolhendo ainda a Festa do Cinema Francês e os alguns dos mais significativos títulos do cinema português, a estreia de logo à noite, do "Quinto Império" é um exemplo mais do que superlativo.
No actual contexto comercial, o cinema encontra-se dominado, sobretudo a partir de segunda metade da década de 90, pelas grandes superfícies que debitam semanalmente um volume de estreias absolutamente incomportável e cada vez mais viradas para a teoria do mastiga e deita fora, impossibilitando assim a entrada no circuito de obras menos convencionais. O que triunfa é, sobretudo, o cinema industrial norte-americano que, especialmente, na última década, tem refinado até aos limites do absurdo, com o profissionalismo de marketing desconcertante, produtos especificamente desenhados para conquistar público à escala mundial, simplificando argumentos, linguagem, personagens, apostando em temáticas "worldwide", adaptações de vídeo-jogos, heróis da BD, qualquer símbolo que já tenha penetrado entre culturas e seja facilmente reconhecível e consumível nos quatro cantos do mundo. São cada vez mais raras as surpresas nos filmes de Multiplex. O mais dramático é que o público já nem exige uma novidade, em espanto, contentando-se simplesmente com uma boa dose de sustos no ouvido, três toneladas de efeitos especiais e uma dupla de caras conhecida.
Neste contexto, duas das quatro salas do Cidade do Porto, bem como o Nun´Alvares afirmam-se, desde logo, como locais de culto para um público cinéfilo que procura, sobretudo, assistir aos títulos premiados nos festivais de Cannes, Veneza ou Berlim, em detrimento do ir ao cinema para ver qualquer coisa que acompanhe a digestão de um saco de pipocas. No Nun´Alvares vivi experiências cinematográficas tão marcantes como a exibição d´ “A Festa”, de Thomas Vinterberg, com o público a ficar agarrado à cadeira uns bons cinco minutos após o final do filme, ou já no Cidade do Porto, uma extraordinária e cativante conversa com João Botelho a propósito da comédia "A Mulher que Acreditava Ser Presidente dos EUA" ou ainda ao entrar em contacto com um dos melhores filmes que vi este ano: “O Regresso” do russo Abdrey Zvyagintsev.
Actualmente, e depois do dramático, para não dizer ridículo e autoritário, encerramento do Terço, mesmo aqui à beira de minha casa (lembro-me perfeitamente da última sessão, com interessantíssimo “As Horas”, de Stephen Daldry), o Porto sobrevive com apenas dez salas de cinema, enquanto só o Arrábida, em Gaia, propõe 20 cinemas. É triste, no mínimo, assistir ao abandono, à morte por indefinição, do Batalha e da sua sala Bébé, na qual o cineclube do Porto tantas obras referenciais da sétima arte exibiu, criando uma geração de cinéfilos actualmente em vias de extinção. É doloroso ver o Teatro Sá da Bandeira a cair aos bocados e a passar filmes porno, onde, no início do século XX, Aurélio Paz dos Reis apresentava ao país a mágia do cinema no intervalo de sessões de teatro popular. A média de 100 mil espectadores/ano das salas do Cidade do Porto e a ressurreição do Passos Manuel (sobre o qual sempre coloquei algumas reservas quanto ao formato e à intencionalidade), ambas significam uma pequena amostra de resistência cultural numa cidade pioneira e fundamental na história do cinema português, mas que,infelizmente, caminha a passos bem largos para um deserto de alternativas de qualidade. Ao Porto, sobram pipocas e coca-cola e faltam espaços dedicados ao cinema enquanto arte.

Tuesday, December 14, 2004


X-Wife ao vivo no CBGB´s em Nova Iorque/DR
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X-Wife: memórias de New York

Após uma conversa telefónica, no final da tarde de ontem, com João Vieira, registo em "blog" alguns postais sonoros da operação Nova Iorque 2004 dos X-Wife. Entre 14 e 28 de Novembro, a banda de "Feeding The Machine" tomou de assalto a cidade de todas as insónias, concretizando uma série de quatro concertos e um "radio-show". Os efeitos transatlânticos ainda por determinar, congelam para já a edição do segundo longa-duração, num "wait n´ see". De regresso a casa e na véspera de voltarem à estrada ao lado dos Way Gunn ficam algumas impressões digitais de uma incursão ousada pelas por terras do Tio Sam.
Convém antes de mais situar a génese da mini-tour. A ligação Porto-Nova Iorque nasceu via digital com a blogosfera a afirmar-se como ponte intercontinental. A internet transportou até aos EUA os primeiros acordes do tema "Eno", no tão perseguido como abençoado formato mp3. Primeiro no site newflux, de Matthew Perpetua, mais tarde no blog do produtor e “rocker” de New Jersey, James Murphy, mentor da "label" DFA, índo posteriormente parar às prateleiras da discoteca "Other Music", no cruzamento da Broadway com East 4th. "Foi através desses contactos que fomos recebendo algum "feedback" positivo e medindo o impacto da nossa música no circuíto mais "underground" de Nova Iorque", revela João Vieira. "Foi-se criando uma certa curiosidade e algum interesse em conhecer os X-Wife ao vivo".
Após meia-dúzia de e-mails e outros tantos telefonemas, a banda juntou poupanças dos concertos, comprou air-tickets, confirmou os "gigs" e o repouso no mítico Hotel 17, em East Side ("pousada" onde Woody Allen rodou “Manhattan Murder Mistery”), finalmente, o trio aterrou em Nova Iorque. Primeira paragem na discoteca "Other Music", na East 4th. "é uma das mais importantes discotecas da cidade. Ficámos, naturalmente, satisfeitos por saber que adoram o nosso trabalho e que tinham o disco em grande destaque". O colectivo aproveitou a oportunidade para efectuar um depósito na loja de 25 discos, dos quais 20 esgotaram em apenas três dias. "Foi a reacção aos concertos", justifica João Vieira. "No final das actuações, as pessoas vinham ter connosco para comprar o disco e saber onde é que íamos tocar a seguir". Segundo o guitarra-voz, o púbico foi crescendo em cada concerto, com algumas caras a repetirem a dose de X-Wife.
Primeiro palco CBGB´s. Sala-epicentro do fenómeno punk nova-iorquino, na década de 70, por onde passaram Ramones e Blondie, entre outras referências. "Serviu mais como uma espécie de ensaio geral para o fim de semana", confessa Vieira. A banda tocou ainda no Rothko, Sin-é e Pianos, com uma "radiosession" pelo meio, no programa "The Cherry Blossom Clinic", tempo de antena de Terre T., na WFMU, espaço que já acolheu projectos locais de “hype” internacional, via NME, com The Stokes e Yeah, Yeah, Yeahs (saudades de Paredes de Coura´03). Conclusão: "Temos mesmo de sair do Portugal para criar algum burburinho", dispara Vieira. "Este foi só um primeiro contacto, esperamos regressar em 2005”, prometeu.
Tendo em conta o sucesso da primeira incursão nos EUA, João Vieira aguarda pelas ondas de choque da operação NYC´04, colocando, para já, em "stand-by", no congelador, a edição do segundo longa-duração."Não faz muito sentido lançar este ano um álbum, quando o primeiro começa agora a ser conhecido lá fora. Entretanto - revela o músico - vamos apresentando ao vivo os novos temas. Evitamos repetições. Queremos mostrar ao público que os X-Wife continuam a trabalhar". No regresso à estrada lusa, ao lado dos Way Gunn, o próximos concertos dos X-Wife, ocupam, no próximo dia16, o espaço Le Son, em Coimbra, e no dia seguinte o Santiago Alquimista, em Lisboa.
Depois de entrevistar o colectivo mais de três ou quatro vezes, em situações diversas, desde ensaios de garagem a actuações do HC ao TSB, com prestações bastante irregulares, diga-se em abono da verdade, fica, sobretudo, a nota positiva do ir para a estrada, do arriscar, do não se contentar com o lugarzinho ao sol e com os 15 minutos de fama. Longe de seguir o trajecto dos The Gift, da electrónica via Texas, ao rock de Nova Iorque, as diferenças são mais do que muitas, fica o estado de espírito e a convicção "pro" de que sem trabalho, sem um certo sentido de risco, de ousadia e de coragem pouco ou nada se consegue nesta ou noutras vidas.

Saturday, December 11, 2004


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Lou Reed inaugura Casa da Música

Provavelmente o rumor mais interessante da semana coloca Lou Reed na inauguração da Casa da Música, aqui no Porto, finalmente agendada para 14 de Abril. O Blitz reparou que no site oficial do músico a data estava reservada para Portugal e tendo em conta o silêncio, do não confirmo nem desminto, por parte do sector da programação da mais polémica infra-estrutura herdada do pesadelo 2001, tudo leva a crer que o rumor possa transformar-se em realidade já em Janeiro, data da apresentação oficial das primeiras propostas a subirem ao palco da CM, definidas, desde logo, pelo director artístico de serviço, o britânico proíbido de falar com a imprensa, Anthony Withworth-Jones.
Esperam-se fantasmas dos "Velvet Under mais um menos ground" dependendo ainda do Metro na Boavista, com Lou Redd a protagonizar um "Walk on the Rui Rio Side", pois no que diz respeito a ministros da cultura, ou outros dentro do género, os passeios são improváveis e tudo menos alegres. Salve-se tão esperado com urgente metamorfose em fundação para acabar de vez com a dança das cadeiras laranjas ou cor de rosa. Olhando para Serralves, o melhor mesmo e deixar que os privados entrem na música e arrumem a casa de uma vez por todas. Ontem Belmiro de Azevedo confirmou que já foi convidado para o projecto, mas só entra com uma gestão igual à de Serralves, ou seja, menos dependente do poder regional e central.

Thursday, December 09, 2004

Crítica: The Gift no Rivoli

Acabei de regressar do Rivoli, no Porto, onde assisti à apresentação “live” do registo “AM/FM” dos The Gift. Globalmente, faltaram metais, sobraram “samples” numa aposta visual fortíssima, cativante e coerente com o conceito global do álbum, deixando antever um interessante 2005. O espectáculo mais maduro em termos de trabalho de luz e imagens digitais do que a proposta anterior, coloca de lado alguma inocência definitivamente perdida na digressão “Film”, elevando ainda mais a importante componente estética do colectivo de Alcobaça. No entanto, como seria de prever e tendo em conta de que se trata de um concerto de apresentação de um álbum recém editado, alguns dos temas sucumbiram na adaptação ao vivo, sobretudo, pela ausência de orquestração de cordas e metais, em propostas como “Wallpaper” e a “american radio-friendly” “11:33”, outras, como “Wake Up” revelaram entradas fora de tempo e falhas de afinação. Em ambos os casos, na estrada, o colectivo irá certamente rever o alinhamento e eliminar alguns excessos e carências geradoras de alguns momentos demasiado ásperos nos “samples” e carente do tal suporte orgânico de cordas e metais que, francamente considero urgente e catalizador da energia e da força contagiante da banda.
Dos momentos mais felizes, destaque para “Bonita”, melodia encantatória que ao vivo ganha em amplitude e num sentido vocal de Sónia Tavares recheado de uma ausência grave e cativante. “Are You Near”, o single mais do que perfeito, lembra Brian Eno, contém referências electrónicas provocantes, letra inteligente, necessitando apenas de uma guitarra mais desinibida, que transporte o tema para outra dimensão, à qual parece aspirar sem no entanto a conseguir atingir. “Cube”, “Driving You Slow”, “An Answer” “Music” e “Pure” são apostas ganhas que certamente irão incorporar o alinhamento do colectivo para 2005 e anos seguintes.
Em encore, o público teve a oportunidade de rever outros filmes: “Front Of”, “Question of Love”, com o auditório a ameaçar arrancar as cadeiras e começar a dançar, e finalmente, “So Free”. Pelo meio regresso a FM com “Red Light” em versão XL, impecável num encerramento quase perfeito. O espectáculo revelou alguns pontos fracos e uma nova e ousada aposta visual que certamente agradará aos fãs da banda e à nova geração MTV. Uma renovação estética que, tal como o álbum, sem criar rupturas desnecessárias nesta fase, consegue recriar um ambiente digital coerente com o conceito geral do colectivo. Depois da feira Texana em Austin, espera-se um verão 2005 com alinhamento mais maduro e uma prestação mais descontraída, alegre e sem tantas arestas por limar. O disco de prata é obrigatório e certamente atingirá pelo menos as 20 mil cópias.

Wednesday, December 08, 2004


"Memory Bucket", Jeremy Deller (2004) foto: TM, Reuters Posted by Hello

O efeito Bush e Gordon no Turner Prize

Patrocinado pela primeira vez pelo gin Gordon´s, uma vídeo-digressão entre dois dos mais famosos ranchos dos EUA conquistou anteontem o Turner Prize, na Tate londrina. Importa esclarecer que os jurados não estavam com os copos. Certo é que, para não variar, a política pesou certamente na decisão. O artista britânico, Jeremy Deller arrecadou o prémio, levando para casa 48,500 dólares através da instalação vídeo "Memory Bucket" que recorda uma viagem entre o rancho do presidente George W. Bush, em Crawford, e o não menos conhecido quartel-general do líder religioso Davidian, em Waco. Com uma lista de prováveis vencedores muito mais politiziada do que em anos anteriores e sem a presença de qualquer pintor, o que não deixa "per si" de ser significativo, o Turner Prize apresentou como principais possíveis ganhadores nomes como Ben Langlands e Nikke Bell, cuja inspiração se centrou em Osama Bin Laden, em outra proposta vídeo de uma vila abandonada algures no Afeganistão, por onde o homem mais procurado do mundo Ocidental teria passando uns dias, provavelmente de férias. Gill Hedley, director da Contemporany Art Society, justificou à Reuters que não acreditava que os jurados perderam a noção do que é a arte, mas que, simplesmente, “vivemos numa altura em que esta coincide com política”. Sobre a possível influência do gin Gordon´s na decisão dos júri, nem uma palavra. Provavelmente por que em 1988, Chris Ofili ganhou o Turner com a "The Holy Virgem Mary" uma representação negra e considerada por muitos pouco elegante da virgem Maria e, em 1995, Daminen Hirts ganhou mais um punhado de dólares na Tate com trabalho "Away From The Flock", apresentado uma ovelha dentro de uma caixa. Outra das sensações da história do Turner foi protagonizada por Tony Kaye, em 2001, ao tentar submeter à consideração do júri como obra de arte um insuspeito trabalhador metalúrgico sem-abrigo.
Anualmente, para além de trazer para o circo mediático um artista cujos trabalhos se vêem subitamente inflacionados no mercado da arte internacional, o Turner Prize levanta questões, essas sim interessantes, sobre a identidade e as novos percursos da arte contemporânea. Este ano, arte e política andaram de mãos dadas. Nem importa recordar que na Sétima, em Cannes, Michael Moore também não saiu de mãos a abanar e não foi certamente pela excelência cinematográfica da proposta “F9/11”, ao contrário do que Quentin Tarantino jurou. Pessoalmente, penso que George W. Bush e o gin Gordon´s são, sem sombra de dúvidas, os grandes protagonistas da revolução artística contemporânea, levando-a por caminhos nunca dantes calcorreados.

Tuesday, December 07, 2004

Luciano Barbosa com Ana Sousa Dias

Acabei, há minutos, de desligar a televisão, onde pude assistir a mais uma excelente entrevista de Ana Sousa Dias no programa "Por Outro Lado". O convidado, Luciano Barbosa teve a inteligência suficiente para colocar o dedo na grande maioria das feridas que neste momento afectam o sector da música em Portugal. Da estúpida taxa do IVA nos CD e instrumentos musicais, transformando bens culturais e intrumentos de trabalho em artigos de luxo, ao "lobbie", cada vez mais escandaloso, das editoras sobre as rádios, que depois de aniquilarem por completo os programas de autor, fabricam "playlists" em troca de motas de águas, percentagens das vendas de CD e outras ilegalidades que, neste momento, atingem os limites escandalosos do terceiromundismo, entre uma série essencial de outros temas greves e prementes que merecem ser discutidos na praça mediática, não fosse esta uma das principais cúmplices do "status quo" vergonhoso e decadente dos grandes interesses económicos que asfixiam, não só o poder político, transformando a democracia republicana num exercício de plutocracia clássica legítimada pelo povo, como também acaba por aniquilar a própria arte e cultura. Neste contexto, a diferença entre Santana e Sócrates é puramente estética.
De regresso à cultura, apesar de já ter manifestado aqui no blog a minha preocupação quanto a abordagem sonora dos Repórter Estrábico, depois de, não só ter escutado atentamente "Eurovisão", como de ter assistido ao concerto no Rivoli, a 20 de Novembro, considerando, entre outras coisas, que o meio que utilizam nem sempre me parece o mais adequado para fazer passar uma mensagem tão inteligente quanto burlesca e urgente, a supracitada entrevista fez-me desde logo relembrar conversas soltas como Luciano Barbosa nesse labirinto de salas de ensaio em que se converteu o Stop e em projectos e utopias de transformar o decadente centro comercial num verdadeiro centro musical. Entre Stop, que acolhe mais de três dezenas de bandas, o Sirius, com Kitten em versão X-Wife, passando outras salas de ensaios, como Baixa a Tola, em Matosinhos, ou "Poltergeist", no cruzamente da Boavista com Cedofeita, locais que tive a oportunidade de visitar e reportar, em labor "afterhours", falta, ao fim e ao cabo, investimento privado, vontade pública e sobram obstáculos políticos e económicos para quem quer fazer música em Portugal. A começar nas garagens e a terminar nas rádios, o cenário é equivalente ou pior a alguns países sul-americanos por onde andei.

Monday, December 06, 2004


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Especial Nirvana: Com as luzes apagadas o Pai Natal é menos perigoso

Oito anos volvidos sobre o conceito de editar um documento definitivo sobre o revolucionário legado musical dos Nirvana e seis sobre armistício entre os dois terços da banda (Dave Grohl e Krist Novoselic) e a viúva tóxica Courtney Love, os fãs portugueses têm a partir de hoje a oportunidade de, em época natalícia, natural e convenientemente, perdoar as sangrentas batalhas jurídicas em torno dos "royalties" do tesouro Nirvana, abrir os cordões à bolsa e, finalmente, adquirir "With The Lights Out", uma "box-set" de luxo com três CD e um DVD, ambos repletos de material inédito, que promete, desde logo, transformar 2004 no Natal mais "grunge" desde a inesperada explosão "Nevermind" de 1991. Recorde-se que a presente colectânea, editada no mês passado nos EUA, esteve, inicialmente, para ser lançada em 2001, aproveitando as celebração de uma década sobre "Nevermind", histórico e influente registo que renovou a estética e sonoridade rock em todo o globo, derrubando o virtuosismo dos anos 80 , ressuscitando o aroma punk da década de 70 e sobretudo, fazendo erradamente acreditar que qualquer miúdo de Nova Iorque a Tóquio não necessitaria de saber mais do que meia dúzia de acordes para se converter numa estrela da universo rock.
"With The Lights Out" apresenta-se este ano tendo, desde logo, do ponto de vista comercial, outra poderosa alavanca para o sucesso, o 10º aniversário da morte de Kurt Cobain. Revista pela imprensa norte-americana como um produto exemplar a nível de recolha de material raro, perdido no sotãos e nas garagens de Seattle, a excelente escavação arqueológica surge como uma nutritiva refeição especialmente preparada para os fãs "hard core" dos autores de Bleach. No entanto, sem trazer para a luz do dia algum tesouro escondido, capaz de competir na mesmo circuito "mainstream" com "You Know, You´re Right, isca da anterior sugestão natalícia, o "box-set" que hoje pisca o olho à nova gerção de melómanos e coleccionadores de DVD triunfa sobretudo pela relevância histórica do imenso material inédito que oferece, acrescentando elementos essenciais para uma análise mais profunda e esclarecida sobre a ascensão e queda de uma das mais mediáticas e significativas bandas rock da década de 90. O mais recente produto editado pela Geffen/Universal contém desde logo três CD com 81 temas, dos quais 68 inéditos, um DVD que inclui, entre outras especialidades, filmes caseiros, ensaios de garagem, várias actuações ao vivo e vídeos inéditos com nove temas interpretados na casa da mãe do baixista, Krist Novoselic, e ainda um "booklet" de 60 páginas com fotografias inéditas e uma série notas e reflexões assinadas por Neil Strauss, ex-crítico musical do "New York Times", e Thurston Moore, pedra ângular dos Sonic Youth, uma da grandes inspirações e referências sonoras de Cobain.
Entre o material recolhido destaque, em formato CD, para os "outtakes" de "Nevermind" que revelam com clareza inquestionável a essência e o âmago original da sonoridade mais bruta do colectivo, com "Old Age" a ergue-se como o tema mais representativo da banda de garagem aparentemente pronta a ser empurrada para o "mainstream" através primeiro das rádios e depois da MTV, destronando das tabelas de vendas dos EUA o "perigoso" rei da pop, Michael Jackson. Os propostas dos CD pretendem e alcançam a fonte criativa e rude da banda revelando os primeiros anos de garagem e de gravações caseiras, sem nunca desprezar os sucessos pós-1991. Seguindo a mesma abordagem comercial e estética, o DVD revela momentos singulares dos Nirvana como muito aguadado ensaio de Dezembro de 1988 e o não menos relevante concerto no Motor Sports Garage, em 1990, no qual Kurt Cobain acrescenta ao léxico destrutivo do rock mais meia dúzia de sugestões de como partir uma uma guitarra em palco. Para além de ser um excelente produto comercial, "With The Light Out"afirma-se como uma prenda de natal obrigatória, não só para os órfãos do ícone Cobain, como também e sobretudo, para os investigadores do fenómeno e da historiografia do rock.

Sunday, December 05, 2004


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Jorge Palma aqui no "Norte"

"Norte" de Jorge Palma dispara em várias direcções, da política de Humberto Delgado à poesia de Al Berto, mas nem sempre acerta no alvo. Ao vivo as munições são outras e os danos colaterais mais graves. Ontem, ao final da tarde, numa Fnac do Norteshopping completamente esgotada, Palma ofereceu uma amostra"live" e centenas autógrafos. Alguns dos temas que no disco ameaçam morrer asfixiados pela banalidade melódica, ao vivo adquirem uma bolsa de ar e ressuscitam de forma algo surpreendente. No entanto, apesar da voz já começar a ceder, o charme junto de um novo público "teenager"parece ser cada vez mais forte.
Sozinho em palco, obedecendo ao alinhamento do CD, "Passeio dos Prodígios" confirma-se como uma espécie de introdução ao piano, tipo "Imagine" de Lennon, pouco generosa em termos de originalidade, enquanto o tiro em direcção à globalização, inspirado da frase de Saramago, "Optimista Céptico", ironizando, desde logo, com a industrialização cultural e a esquizofrenia da comunicação, não escapa ileso aos arranjos das teclas de Miguel Ferreira, que transformam a melodia num tema pop que, apesar do selo de qualidade dos Clã, não deixa de ser um objecto estranho no Planeta Palma.
"Os Demitidos", uma das composições mais fortes do registo, ao vivo adquire uma intensidade superior, recuperando o melhor das melodias de Palma e numa ironia involuntária acabando mesmo por se revestir de uma actualidade superlativa em versos como "e assim vamos vivendo/na província dos obséquios/cedendo e pactuando enquanto der/filósofos sem arte/afugentamos o desejo/temos preguiça de viver/ Estás demitido, obviamente demitido". Finalmente, destaque para o tema mais interessante de todo o álbum. "Demónios Interiores", escrito por Carlos Tê. Um confronto psicológico, irónico e delirante com os "lados lunares" do ser humano, num jantar de digestão apesar de difícil necessária. Será, certamente, um dos clássicos a acrescentar a legado de Palma entre "Jeremias", "Bairro do Amor", "Dá-me Lume", e tantos outros. Ontem foram os "Demónios" que encerram o concerto, arrebatando o muito público que apanhou com uma hora de boa música cantada em português.

PS: A meio do concerto, ao meu lado, uma adolescente, ao ouvir o verso "é a dança mais pungente, mão a trás e outra à frente", d´"A Valsa dum Homem Carente", interroga a amiga: "Pungente? O que é que isso é?" Ao que a companheira responde: "Não sei, mas deve ter qualquer coisa a ver com pus. A mim lembra-me pus".

Friday, December 03, 2004


"Fountain", Marcel Duchamp (1917)  Posted by Hello

O triunfo do urinol

Segundo a edição de ontem do "The Guardian", um júri de notáveis do mundo da arte considerou o urinol de Marcel Duchamp,"Fountain", o mais influente trabalho de Arte Moderna. O provocativo e desvalorizado "readymade" do artista parece finalmente, volvidas mais oito décadas, ter encontrado um inesperado reconhecimento internacional através de um prestigiado painel de jurados composto por de artistas, críticos, curadores e negociantes de arte comissariados pelo patrocinador do Turner Prize, a Gordon´s.
Ao ter conhecimento desta notícia fui de imediato as minhas prateleiras para contextualizar o fenómeno e encontrei a obra "Marcel Duchamp - Engenheiro do Tempo Perdido", a tão célebre quanto polémica entrevista de Duchamp ao não menos reconhecido Pierre Cabanne (ed. Assírio & Alvin), da qual tomo a liberdade de transcrever uma breve passagem. As conclusões ficam a cargo da moderna subjectividade individual.
"-Em Abril de 1916 participou numa exposição em Nova Iorque, chamada "Quatro Mosqueteiros", os outros três era Crotti, Metzinger e Gleizes. Estava também entre os fundadores da Sociedade dos Independentes e apresentou na primeira exposição um urinol intitulado Fountain, assinado R. Mutt, que foi recusado.
-Não, recusado não. Não se podia recusar uma obra nos Independentes.
-Digamos que ela não foi admitida.
-Foi simplesmente suprimida. Eu estava no júri, mas não fui consultado, porque os jurados não sabiam que fora eu quem o tinha enviado; escrevi o nome Mutt para evitar quaisquer relações com coisas pessoais. A Fountain foi simplesmente colocada atrás de uma divisória e, durante toda a exposição, eu não sabia onde estava. Não podia dizer que eu próprio tinha enviado esse objecto, mas suponho que os organizadores o sabiam pelos boatos. Ninguém ousou comentar. Fiquei aborrecido com eles e retirei-me da organização. Depois da exposição, encontrámos a Fountain atrás da divisória e recuperei-a!
-É um pouco a mesma aventura por que passara no Salão dos Independentes de 1912, de Paris.
-Exactamente. Não conseguia fazer nada que fosse aceite de imediato, mas isso não tinha importância para mim.
-Diz isso agora, mas na altura...?
-Não, não, pelo contrário. Era assim mesmo, bastante provocante.
-Então, desde que tivesse procurado o escândalo, estava contente?
-Foi, com efeito, um êxito. Neste sentido.
-No fundo, ficaria desapontado se a Fountain fosse bem recebida...
-Quase. Na época gostei muito. E depois, na verdade, não tinha muito a atitude tradicional do artista que apresenta o seu quadro, que quer ser aceite e depois louvado pelos críticos. Nunca houve uma crítica porque o urinol não aparecia no catálogo.
-Arensberg comprou-o mesmo assim...
-Sim e perdeu-o. Foi feita uma réplica em tamanho natural que está na Galeria Schwartz."

Thursday, December 02, 2004


foto: Humberto Almendra Posted by Hello

"Hoje à Tarde": dança-teatro no Vilarinha

Teatro da Vilarinha estreia logo a partir das 21h45 o interessante espectáculo "Hoje à Tarde". Trata-se de uma peça de dança-teatro da responsabilidade da companhia de S. Félix da Marinha, Gaia, La Marmita, que propõe, desde logo, viagem guiada ao previsível e superficial universo das telenovelas. Tive a oportunidade de assistir ao ensaio de imprensa, na segunda-feira, e sinceramente gostei, apesar de não ser um apreciador de correntes minimalistas. A coreógrafa mexicana Andrea Gabilondo e o actor Luciano Amarelo assumem o protagonismo e em palco corporizam um projecto repleto de excelentes momentos de dança contemporânea aliada a interpretações consistentes e, devidamente, complementada por uma projecção vídeo, que apesar de pouco ambiciosa, não foge à coerência geral do trabalho.
Partindo da rotina da vida doméstica de um casal, a dupla sugere uma série de episódios marcados pelo minimalismo e automatismo de movimentos, numa evidente referência a industrialização das propostas audiovisuais, em geral, e das televisivas, em particular. Andreia Gabilondo confessou-me que o trabalho de ensaios foi marcado, sobretudo, pela "riqueza das improvisasões" e pelo "rigor" na selecção e interpretação de uma gramática corporal particulamente exigente e pertinente. A previsibilidade dos movimentos e narrativas televisivas, o jogo da rotina, o universo da emoções esterotipadas são alguns dos aspectos temáticos presentes num trabalho de elevada qualidade interpretativa e, sobretudo, numa coerência e objectividade interna que remetem para um estudo sério, profundo e consistente da arte em diálogo com as realidade sócio-comportamentais contemporêneas. Tecnicamente, destaque para o excelente aproveitamento, não só do espaço cénico, como também dos adereços, mesa e cadeiras, em movimentos de dança criativos, surpreendentes e superlativos.
O espectáculo "Hoje à Tarde" ocupa o Teatro da Vilarinha até ao próximo dia 11, de quinta a sábado, sempre às 21h40. Bilhetes custam entre 9 e e 4,5 euros. Vale a pena, pois é um dos melhores espectáculos de dança a chegar ao Porto, depois do excelente Festival da Fábrica.

Wednesday, December 01, 2004

Grande Entrevista: Marco Paulo "uncensored" (1ª parte)

Ontem arranquei em direcção ao Monte da Virgem, em Gaia, não para apreciar uma Nossa Senhora aparecida a brilhar numa qualquer telegénica copa de árvore acidentalmente iluminada por uma descontrolada câmara da RTP, mas para entrevistar o Rei que segura o ceptro da música romântica em Portugal há mais de 35 anos, o cantor que em menos de uma semana já somou mais um disco de ouro à sua impressionante colecção com “Amor Sem Limite” e que no dia 23 cantou em Fátima, emocionando perto de 60 mil pessoas. Não se iludam os melómanos mais cínicos, estamos perante um fenómeno da interpretação em língua portuguesa. Se Marco Paulo tivesse nascido em Espanha seria um Júlio Iglesias, atravessaria o Atlântico aos fins-de-semana num Jet-Set comprado a pronto, daria entrevistas de hora e meia na MTV, em Nova Iorque, da parte da tarde, concertos “afterhours” num qualquer casino em Las Vegas, empurrando Celine Dion para o Canadá, país do qual nunca deveria ter saído.
“Mulher dos 40”, tema de Roberto Carlos, desenhava, finalmente, um ponto final às três horas de emissão da Praça da Alegria. A voz poderossíssima de Marco Paulo ameaçava destruir de uma vez por todas, numa manifestação cabal da existência do divino, o tão frágil quando minúsculo cenário da “sit-com” matinal da RTP. Esperei os autográfos, as manifestações de admiração e reprimida devoção dos espectadores, enquanto apresentadores e figurantes de serviço, transformados temporariamente pela maravilha da maquilhagem em bonecos de cera, se despediam uns dos outros num ritual demorado e cansativo a roçar aquilo que parecia ser um competitivo e interminável concurso Pepsodent pelo sorriso mais branco.
Depois de uma boa dezena e meia de fotografias junto à árvore de Natal e de uma breve mas produtiva e não menos profissional conversa com o fotógrafo que me acompanhava, Marco Paulo sugeriu que a entrevista se realizasse no seu camarim. Tendo em conta, o reboliço e artificialidade agónicas de um “set” da Praça da Alegria cada vez mais parecido com o museu Madame Tussaud´s, respondi afirmativamente. Queria mesmo era sair dali para fora o mais depressa possível, nem que fosse preciso utilizar o "exit" de emergência. Seguiu-se uma viagem tão alucinante quando enjoativa por uma série tétrica e labiríntica de corredores decorados com poeira artisticamente colocada pelo tempo sobre uma tinta que fora branca em tempos de memória celuloíde. Recordei-me de uma unidade hospitalar anónima e abandonada algures numa capital de distrito ainda por descobrir a norte do Douro.
Timidamente, entrei no camarim como quem penetra um templo budista. A sala era uma espécie de tributo aos quartos por mobilar de uma pensão de meia estrela na Rua da Alegria. “Ainda bem que tirámos as fotografias lá em cima”, disparei para quebrar o gelo e exorcizar o desconforto que o espaço quase fantasmagórico e frio me causou. “Sim, mas se quiser tirar mais fotos”, respondeu o cantor ao fotógrafo, num efeito colateral impossível de anual, irremediável e imprevisível. Com a responsável da editora a recordar a agenda do dia (almoço, entrevistas, rádio, etc). Aguardei pelo meu tempo de antena, enquanto olhava de soislaio para os decrépitos posters que ameçavam finalmente, após décadas de opressão, sair das paredes às dezenas. Lembrei-me do filme "Aliens".
O mote da conversa deveria ser a edição e o sucesso instantâneo do supracitado “Amor Sem Limite”, uma nutritiva dúzia de temas extraídos da obra de Roberto Carlos. Não ouvi o disco, confesso. Mas tenho uma boa desculpa. O jornalista que estava agendado para fazer a entrevista e que ficou com o CD teve uma súbita crise nos rins e antes que eu lhe seguisse o exemplo, acabei pelo azar de uma moeda ao ar por ficar com o “serviço”. Mas, se soubesse o que sei hoje teria regateado até ao meu último cêntimo, hipotecado tudo o que tenho e contraído algumas dívidas se necessário fosse para poder realizar a entrevista que segue dentro de momentos…
(to be continued)

Tuesday, November 30, 2004

The Gift: AM/FM

Uma semana volvida sobre a desilusão “How To Dismantle An Atomic Bomb”, que muito sinceramente considero um dos piores álbuns dos U2 - conservador, previsível e pouco arriscado - tive a sorte de apanhar ontem, logo no dia de lançamento, o mais recente trabalho dos The Gift. Em formato duplo, “AM/FM” não só percorre os interessantes trilhos sonoros abertos em 2001 através do projecto conceptual “Film”, sobretudo na exploração inteligente dos metais e nas orquestrações desenhadas com sentido estético coerente sobre a base electrónica, como também evita erros do passado, como a sobreposição das vocalizações de Nuno Gonçalves em borboletas que nunca deveriam ter levantado voo. O registo apresenta-se como um trabalho notável, consistente, criativo e de uma produção invulgar, resistente e coesa. Sem criar rupturas desnecessárias, expande a plasticidade orgânica e aromática da banda, conduzindo-a por caminhos ainda mais seguros da electrónica devidamente equilibrada com harpas e metais.
De AM, o primeiro CD desenhado sobre um plano ambiental mais denso, soturno, misterioso, a roçar o romântico, destaque para “Are You Near”, melodia simples, com uma textura recheada de pequenos samples que navegam sobre uma guitarra eléctrica tão serena quanto envolvente. “Wallpaper” confirma a importância das orquestrações enquanto elementos sonoros que possibilitam uma urgente ampliação da gramática atmosférica dos temas de suporte rítmico digital, não raras vezes tão limitados a meras caricaturas musicais, uma das doenças mais frequentes no deficitário e subdesenvolvido hip-hop nacional
Em FM ressurge a alegria de outras primaveras. Soltam-se os agúdos de Sónia Tavares, pintam-se quadros de uma magia e felicidade sempre possíveis. Mais dançável, lembra Vinyl (1998) mas serve-se mais quente e com uma rotação bem superior. Testados em concertos de 2003, “Driving You Slow” e “Music” são duas presenças mais do que previsíveis obrigatórias. Enquanto, o cocktail “11.33” parte do soul e r&b, num piscar de olhos ao mercado norte-americano, abrindo-se num exotismo rítmico artificial que roça uma tímida e indesejável latinidade, autodestruíndo-se em seguida, num dos piores momentos do registo, “Cube” retoma o ponto de partida mais harmónico e jazzy, lançando pistas de leitura base para um segundo disco recheado de excelentes vocalizações e rítmos digitais que encontram em “An Answer”, o momento pop mais superlativo.
Aguardo para breve uma passagem do colectivo aqui pelo Porto para analisar a adaptação e a proposta visual “live” de "AM/FM". Apesar de considerar a independência e tenacidade as maiores e mais perigososas virtudes da banda de Alcobaça, sobretudo tendo em conta o desgaste de energia nas digressões pelos EUA e Espanha, os The Gift continuam a ser um dos mais interessantes exemplos do como o sucesso se contrói não nos concursos de televisão, mais com talento, sangue, suor e muito trabalho. Quando passou pelo Hard Club tive a oportunidade de conversar com Sónia Tavares e de comprovar como o colectivo, então a caminho de Austin, Texas, se encontrava exausto, mas sempre disposto a ir mais longe, a desbravar caminho. "Temos de acreditar em nós", dizia-me então a vocalista. No entanto, sinto que também é necessário ao projecto encontrar algumas bolsas de ar, pois a exaustão também pode ser fatal. Esse, na minha opinião, é um dos grande desafios e problemas de uma banda que necessita urgentemente de equilibrar a ambição com o "self control" e aprender a delegar alguma da responsabilidade do um destino criativo e experiêncial a terceiros competentes e capazes de conduzirem o colectivo a outros portos.

Saturday, November 27, 2004


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Titanic atraca no Porto

O dinamismo cultural da Câmara Municipal do Porto não pára de surpreender. O executivo liderado por Rui Rio, autarca celebrizado com histórica afirmação “cada vez que me falam de cultura saco logo a calculadora”, prepara-se agora para meter ainda mais água e afundar de vez com a cultura, trazendo o Titanic para o Porto. Não se trata de uma metáfora. Na próxima sexta-feira, a exposição importada de Barcelona sobre o célebre navio atraca no Mercado Ferreira Borges, com Rui Rio a presidir à inauguração agendada para as 17h00. É a resposta mais do que merecida da autarquia ao sucesso do Museu de Serralves. Segundo dados da divulgados pela edilidade e confirmados pela produtora catalã, nos três meses em que ocupou o Museu Marítimo de Barcelona, a exposição Titanic recebeu 150 mil visitantes. Por ironia do destino, as pinturas de Paula Rêgo conheceram no primeiro mês 50 mil visitas. Por isso, não espanta a feliz comparação, entre exposições-chocolate. A relevância dos eventos, quer se goste ou não, é medida acima de tudo pelo seu impacto junto do público/eleitor. António Sousa Lemos, o recém nomeado vereador da Cultura - que logo na primeira entrevista à imprensa não quis ficar atrás de Rio, inscreveu, desde logo, o seu nome nas páginas do pragmatismo político da autarquia como a frase-título: “a minha falta de ligações à cultura até pode ser uma vantagem” - foi ainda mais longe ao afirmar, na sexta-feira, que a exposição Titanic “enquadra-se na lógica de animação cultural da cidade”, qualificando o evento como “uma forma divertida de contar um facto histórico”.
Criada pela, no mínimo duvidosa, “Titanic Centenary 2012”, empresa sedeada em Barcelona e presidida pelo ex-animador de rádio, Jesús Ferreiro, a exposição que pretende levantar o astral do Porto e introduzir centenas de miúdos das escolas básicas da cidade no maravilhoso mundo das tragédias da navegação comercial, abrindo assim os horizontes culturais dos pequenos estudantes a um nível nunca dantes imaginado. Pretende ser, “uma viagem, sobretudo emocional”, sintetiza o produtor, Jesús Ferreiro. Em apenas 1800 metros quadrados, a companhia espanhola promete trazer até ao Ferreira Borges, blocos de gelo, reproduções dos camarotes do Titanic e milhares de objectos pertencentes ao navio, de fotografias a documentos de bordo, de alianças de casamento dos defuntos a jóias recuperadas das profundezas do oceano. Tudo e mais alguma coisa. Só falta mesmo trazerem os fantasmas ultracongelados ou na pior das hipóteses, o boneco Leonardo di Caprio a gritar, com voz metálica: “yo soy el rey del mundo… yo soy el rey del mundo”). Certo é que até 20 de Março, o circo Titanic está na cidade, mostrando como dos destroços do passado se constrói a lucrativa cultura de presente.

Friday, November 26, 2004

AMIarte

A Delegação Norte da Fundação AMI (Assistência Médica Internacional) está de parabéns. Para além do exímio trabalho diário no apoio social aos mais carenciados, encontrou uma forma inovadora de angariação de fundos: a Arte. A AMIarte, estrutura criada com o objectivo de promover e sensibilizar o público para o trabalho da Fundação, aproveita o 20º aniversário da AMI e celebra com dois espectáculos criados de raiz: um Recital de Música e um Ciclo de Cinema. A receita de bilheteira é inteiramente direccionada para a construção do Abrigo do Porto, junto à sua Delegação do Porto (Rua da Lomba, 153). Depois do fantástico êxito das "Transgressões Poéticas", da última segunda-feira no Bar Labirintho, no Porto, (ler post AMIarte: Amor no Labirintho) é a vez do Auditório Engº António de Almeida receber o pianista romeno Konstantin Sandu no dia 16 de Dezembro. De salientar também a qualidade dos filmes que passam no I Ciclo de Cinema "Solidariedade AMI" de 10 a 17 de Dezembro, na Casa das Artes. Apenas para aguçar a boca de alguns cinéfilos: O Quadro Negro, de Samira Makhmalbaf, Uma Mulher sob Influência, de John Cassavettes, Dogville, de Lars von Trier, Ponette, de Jacques Doillon e muitos outros... Esperamos a lotação esgotada das salas. Para isso, agradecemos a divulgação de todos. Oportunamente daremos mais detalhes...

Thursday, November 25, 2004

Coliseu do Porto oferece o pior da música brasileira

Com uma programação cada vez mais afastada das grandes digressões mundiais do planeta rock/pop (a última foi em Julho de 2002, com os Radiohead em dose tripla) e cada vez mais próxima das festas paroquiais e dos aniversários "pimba" desta ou daquela rádio para taxista e dona de casa ouvir, o Coliseu do Porto sobrevive entre bailados russos de qualidade duvidosa e o pior da música brasileira. Só neste mês de Novembro, o público do norte teve mesmo de apanhar com três artistas menores vindos outro lado do Atlântico, entre uma Ivette Sangalo e um Alexandre Pires, sobrou uma Maria Rita sobrevalorizada, exausta e sem nada de novo para apresentar. Volvida quase uma década sobre a conquista de uma das mais emblemáticas salas de espectáculos do Porto à IURD, fica a ideia de que o resultado actual arrisca-se a não compensar o esforço do passado recente. Se Maria Rita está para Alexandre Pires como Dulce Pontes para Tony Carrera, é verdade que tentei fugir à primeira, mas por motivos profissionais e de karma, vi-me obrigado a assistir ao "show" deste último, pagando assim por alguns excessos e pecados que cometi na juventude. A experiência de quase duas horas a ouvir Alexandre Pires revelou-se tão dolorosa quanto agónica, a roçar um terrorismo cultural situado algures entre a telenovela brejeira "made in Brasil" e a festa popular no bairro da Tijuca ou do Aleixo, na melhor das hipóteses.
Com um Coliseu transformado numa espécie de convenção de casas de alterne e encontro distrial de gunas brasileiros, foi aos perfumes da feira de Custóias e aos sotaques do nordeste brasileiro que a invicta casa de espectáculos ficou entregue na noite de quarta-feira. O palco transformado numa discoteca de subúrbio apresentava lençóis pretos e brancos em "background" a combinar numa sintonia desconcertante de mau gosto com a camisa branca colada ao tronco musculado e as calças de couro negras do artista de Minas Gerais. Depois de perto de duas horas de terapia de choque, durante as quais o ex-vocalista dos Só Para Contrariar encantou uma multidão de compatriotas com refrões reveladores de uma inteligência e amplitude gramatical tão singular como "amo você, meu amor" ou numa dedicatória a Roberto Carlos "amei errado, pisei na bola", o artista acabou, finalmente, o espectáculo abençoando a "galera" em nome de N.S. da Aparecida e S. N. de Fátima, pedindo aos fãs - e aqui vem a grande novidade da noite, que revela, desde logo, a elevada consideração intelectual que o cantor tem pelos seus seguidores - para não se esquecerem de que "o natal é o nascimento de Jesus". Para quê impedir a IURD de se transformar o Coliseu num "McDonald´s" da fé, quando do outro lado do Atlântico nos chegam pastores vestidos com pele de intérpretes de música popular brasileira. Que regresse ao Porto, mesmo a cantar em inglês, Caetano Veloso, que infelizmente este ano ficou-se por Lisboa, ou na pior da hipóteses, uma cada vez mais infantil e comercial Adriana Calcanhoto. Enquanto, do outro lado do Atlântico não aterrar qualquer novidade, eu insisto em ouvir "Elis & Tom", por teimosia e paixão. Lamentável é que, num país invulgarmente abençoado por inúmeros talentos musicais, a Portugal e ao Porto, em particular, só cheguem sobretudo exemplos que manifestamente transmitem uma imagem redutora da verdadeira e superlativa fescura da música e da cultura brasileiras.

Wednesday, November 24, 2004


a mais pequena luz penetra o mais duro coração... Posted by Hello

AMIarte: Amor no Labirintho

Quando os sentimentos são belos encontram-se em noites de beleza mágica.
Foi no Bar Labirintho. Primeiro falei com o Zé Carlos, (o Tinoco) que ficou encantado. Convidei-o a visitar a Delegação Norte da AMI (Assistência Médica Internacional), ele aceitou e aí surgiram logo mil ideias para o projecto AMIarte. Bom, depois surgiu o encontro com o Filipe (d'O Contador de Histórias). Pelo telefone ficou claro que há almas que têm que se encontrar um dia e ficarão firmemente unidas. O auge foi mesmo naquela segunda-feira fria, fria no Labirintho. Contrariamente ao habitual, havia consumo obrigatório (claro, o propósito é angariar fundos para a AMI, tirar os Sem Abrigo da rua, dar-lhes roupa, alimentos, calor humano... e para isto a boa-vontade também se constroi com dinheiro, a ingenuidade fica para os loucos!...) O jantar no Triplex foi muito bom; ao sabor dos alimentos juntava-se a alegria de um projecto solidário. A seguir o Labirintho. Os pequenos detalhes da luz, o som, a melhor maneira de distribuir as revistas da AMI, o que se deveria dizer à porta ... A seguir foi esperar ... Os primeiros clientes entravam com a revista na mão, um sorriso tímido e olhar expectante. Depois, pareciam aparecer aos magotes, muitos, muitos até não haver espaço sentado. Começaram a preencher todos os sítios livres onde um desnível pudesse servir de suporte. A escadaria estava bonita enfeitada pelas raparigas sorridentes. As bebidas começaram a circular. À porta, eu aconselhei "quanto mais consumirem, mais oferecem à AMI..." "Que bom, então hoje quero-me embebedar", dizia um jovem com ar traquina. As 23 horas chegaram. Esperamos ainda um pouco mais. O Zé Carlos um pouco nervoso. O Filipe a precisar de um café duplo "é sempre assim, preciso de um café duplo e de reler tudo outra vez, embora tenha a certeza que conheço o Príncipe Feliz de cor e salteado" Oscar Wilde vinha mesmo a calhar. Nem de encomenda. A solidariedade para com os socialmente não aceites...
Começou. A música parou. A voz quente do Zé Carlos inaugurou a noite. Apresentou o projecto AMIarte (um pequeno núcleo do Porto que coloca a Arte ao serviço da AMI), a seguir apresentou o Filipe Lopes e começou. A noite abriu com o conto de Oscar Wilde. A estátua do Príncipe Feliz com o coração partido e a andorinha morta aos pés. Os dois corações fundidos na brasa do Amor, da Compaixão (sinónimos para quem possui elevação de alma). Tal como anunciado, o Filipe não leu o conto, nem o dramatizou. Sem leitura nem dramatização, mas uma síntese, uma simibiose de sentimentos que contagiam, se entranham e rasgam véus da indiferença. As lágrimas do público não manifestavam emoções fugazes de melodramatismo, mas simbolizavam as pérolas e rubis arrancados da estátua para dar de comer ao povo da Terra do Príncipe Feliz, eram jóias mais preciosas que as de qualquer reino ou Estado, as lágrimas que correram na noite de segunda-feira no Labirintho era as jóias do sentimento da Compaixão (ou Amor). O Juca manipulou sentimentos com a mesma destreza com que manipula as teclas, ora Paso Doble, ora Tocata e Fuga de Bach, para se transformar em samba e acabar em lamento de jazz. Os aplausos eram sinceros. O Filipe olhava para mim "O que é que faço agora?", perguntou-me; "Não trouxeste poemas? Lê alguns poemas", aconselhei. E o Zé Carlos anunciava os poemas do Filipe. Pablo de Neruda, Álvaro de Campos, José Régio, Filipa Leal... alternadamente O Zé Carlos e o Filipe gritavam, gemiam, choravam os versos arrebatando a audiência. Ninguém queria arredar pé. A magia da noite sobrepunha-se ao cansaço. No fim, todos nos abraçávamos e beijávamos. Correra bem esta primeira experiência. Primeira de muitas, comprometeram-se ambos publicamente na despedida. Aplausos para eles, aplausos para o trabalho do grupo AMIarte, aplausos para o público que aderiu e participou neste projecto ambicioso de mostrar ao mundo que a solidariedade e o amor existem.
Escrito por isabel de http://isabelbodhisattva.blogs.sapo.pt/

Sunday, November 21, 2004


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Especial U2: como transformar limões gigantes em bombas atómicas

Bono encontra-se frequentemente com Paul McGuinness para lanchar e discutir a estratégia para melhor desmantelar a próxima bomba discográfica. Na mansão do manager dos U2 em Annamoe, a uma hora a Sul de Dublin, ambos falam de alinhamentos, partilham ideias e croissants. Após 11 milhões de cópias vendidas de "All That You Can´t Leave Behind" e de 104 milhões de dólares arrecadados com a "Elevation Tour", é tempo de arregaçar as mangas de veludo para preparar mais um assalto às princípais tabelas de vendas de discos (Reino Unido e EUA), colocar mais um álbum no sapatinho de milhares de melómanos e agendar mais uma viagem à volta do mundo. O disco sai a partir das próximas 12 badaladas, a digressão arranca, do outro lado do Atlântico, a 1 de Março, em Miami. Entretanto, nada pode ficar ao acaso, os U2 competem na "premier league" das melhores bandas do planeta, rivalizando com monstros do rock como Rolling Stones ou Metallica. É necessário estar atento às movimentações da concorrência e saber, antecipandamente, quando e onde é que os adversários vão atacar com editações e digressões. Em Inglaterra, Eminen já está fora da corrida. Bastou lançar "Vertigo".
Milhares de "bloody sundays" depois, o quarteto de Dublin apresenta nesta segunda-feira em todo o mundo o 11º álbum de estúdio. Para a mais famosa, bem sucedida e mediática banda irlandesa do planeta rock, "How To Dismantle An Atomic Bomb" não pode ser um simples CD com 11 faixas, tem mesmo de se afirmar como um produto de cultura transversal, capaz de encantar o adolescente de Detroit e, simultaneamente, despertar a curiosidade do adulto residente em Moscovo. As letras não devem ser muito complicadas, nem os temas demasiado longos. O design deve ser reconhecível a pelo menos 100 metros a partir de qualquer prateleira nas lojas de discos de todo o mundo. O single "Vertigo" é desde logo sinal da excelente estratégia comercial por detrás registo. As palavras são curtas, multiculturais, compreensíveis por japoneses e argentinos. Bono grita "Hello, Hello" e do outro lado do mundo toda a gente atende e entende do que se trata. O single já desbravou, desde dia 8, o caminho do sucesso, trepando as tabelas de vendas no Reino Unido e tirando Eminen da "pole position" das ofertas natalícias. Mas nem tudo foram rosas para os autores de "Pop" no fabrico desta bomba. A começar desde logo com a mudança de produtor, deitando para o lixo um ano de trabalho; passando pela indefinição do alinhamento e terminando na pirataria on-line, que, no início deste mês, quase adiou o lançamento do CD. Com o Natal à porta seria um desastre e meio, com efeitos colaterais na Universal e Island Records incalculáveis. Apesar do susto, a data manteve-se e a partir da meia-noite meio mundo pára para desmantelar a mais recente bomba irlandesa.
Espremidos até à última gota os limões gigantes de "Achtung Baby" e "Pop" , os U2 parece que ainda não encontraram aquilo que tanto procuram. Para sobreviver no novo milénio, o colectivo reinventou-se nas origens rock dos domingos sangrentos dos anos 80 com "All That You Can´t Leave Behind". Num exercício funambulista, a banda recuperou o público adulto de "War" e os "teenagers" de "Pop". Nada se perde tudo se transforma. "How To Dismantle An Atomic Bomb" é um passo em frente de "All the Things..." em direcção ao universo "Boy", mas sem a americanização de "Joshua Tree". Mais riffs, menos política, mais bombas, menos limões, mais rock, menos pop. O título remete para a violência e a paranóia do terrorismo, sonhos de paz, mas sem fragmentar públicos com desnecessários manifestos políticos. A música serve-se simples, quente, pronta a conquistar meio-mundo e a reclamar para os U2 o trono de melhor banda rock do mundo.
Gerados e criados em Dublin no Outono de 1976, os U2 conhecem-se a partir de um anúncio colocado pelo adolescente com 14 anos, Larry Muller, nas paredes da escola secundária, procurando músicos para formar uma banda. Paul Hewson (Bono), David Evans (the Edge), Adam Clayton e Dick Evans respondem ao apelo e formam os Feedback, uma banda de acólitos rock que se limita a tocar versões dos Beatles e Rolling Stones. Rebaptizada, em 1977, de Hype, e finalmente, depois da saída de Dick Evans para fundar os Virgen Prunes, a banda recebe o nome definitivo de U2.
O primeiro concerto surge em 1978, num concurso de talentos, na Dublin natal. Os U2 ficam em primeiro lugar e conquistam, desde logo, a atenção de Paul McGuiness, então manager dos Stranglers. No Outono do ano seguinte, os miúdos editam na Irlanda, pela CBS, o EP "Three". A digressão por Inglaterra é desastrosa. Com single "Another Day" abrem-se mais portas e acabam por assinar pela Island. Em 1980, editam "Boy" com produção a cargo de Steve Lillywhite (mesmo de "How To Dismantle"). Finalmente, conquistam a tabela de vendas do Reino Unido, ficando num interessante 11º lugar. Os singles "I Will Follow" e "Gloria" começam a abrir terreno nos EUA através da MTV. Na Primavera de 1983 "War" fica em 12º na tabela de vendas dos EUA, com "New Year´s Day" e "Sunday Bloody Sunday" em destaque, ambos os temas elevam o EP "Under a Blood Red Sky" ao 2ª posto no Reino Unido. Depois de conquistada a terra de Sua Majestade, a "pole position" nos EUA não resiste a "Joshua Tree" (1987). O sucesso é tal que nasce o projecto audiovisual "Rattle and Hum". O CDs, bandeiras, camisas e o filme esgotam comercial e criativamene a banda que atinge o ponto de ruptura. A separação parece inevitável. Os U2 são praticamente dados como mortos.
No entanto, contra todas as expectativas, segue-se o milagre da ressurreição na Berlim de Brian Eno, em 1990. Os U2 reinventam-se com "Achtung Baby". Misturam Bowie dos anos 70 com a cena electrónica de Manchester e encontram uma nova identidade, novamente explorada até ao limite do suportável em megadigessões que marcaram uma nova forma de entertenimento. Pude experimentar essa droga chamada Zoo-TV em Alvadade. Depois dessa experiência, a minha noção de concerto ficou irremediavelmente alterada. Os efeitos secundários marcaram toda uma geração.
Esgotada a "electro" com o fracasso de "Pop", os U2 encontram-se novamente num beco sem saída. A solução foi fazer marcha a trás e regressar às origens. Primeiro ensaio, 2000, com "All That You Can´t Leave.." tirou a temperatura, apalpou o terreno, segue-se o recuo mais desinibido e passional com "How To Dismantle An Atomic Bomb" à venda a partir da meia-noite numa discoteca perto de si.

Saturday, November 20, 2004


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MoMA reabre as portas

É um dos acontecimentos mais aguardados e relevantes do ano a atingir no universo da arte e que a imprensa portuguesa praticamente ignorou. O MoMA reabriu hoje as portas. Dois anos e meio e 850 milhões de dólares depois, um dos mais importantes museus de arte moderna do mundo domina agora Manhattan, situando-se entre 53ª e 54ª avenidas. As obras de remodelação a cargo do arquitecto japonês Yoshio Taniguchi conseguiram expandir o MoMA em mais de 50 por cento do seu espaço original (37,500 metros quadrados). O museu espera agora receber um milhão de visitantes por ano. Os bilhetes custam desde 17 euros/2 horas a 37 euros/24 horas.
O MoMA tem uma das maiores e mais representativas colecções de arte moderna do mundo, com um acervo com mais de 100 mil quadros, esculturas, desenhos e maquetes de arquitectura (algumas das quais já passaram por Serralves); 14 mil filmes; mais de 200 mil livros e publicações. É a meca de qualquer artista, curador, galerista ou simples apaixonado pela arte e agora ao reabrir as portas vai sem dúvida recentrar o mundo da arte novamente em Nova Iorque. Recorde-se que a primeira exposição do MoMA realizou-se em 1929 e centrou-se em Cézanne, Gauguin, Seurat e Van Gogh, uma opção relacionada com tentativa de situar as raizes da arte moderna no pós-Impressionismo.
Infelizmente, uma notícia tão importante para o universo da arte acabou mesmo por passar completamente desapercebida nos meios de comunicação social portugueses. Lamentável no mínimo...

Repórter Estrábico no Rivoli

Acabo de regressar a casa vindo directamente do pouco divulgado concerto dos Repórter Estrábico (RP), no mais do que improvável, inadequado, Café Concerto do Rivoli. Não passei pela casa de partida nem recebi dois contos, mas tive tempo para "profundamente desinquietado - arreliado até - com a blitragem impune e emergente", encontrar na actuação dos RP um "Requiem" oportuno com alguns momentos de eurosátira urgentes, desde logo, para agitar o marasmo em que se encontra a música feita em Portugal - actualmente sustentada artificalmente pela nova vaga de fadistas, sobre os quais lanço, desde já, as minhas mais fortes reservas, pois ainda estão por determinar, a médio prazo, pelo menos, as consequências da subtracção de alguma poesia, enquanto âmago da música sacrossanta de Amália e respectivos diáconos. Uma desconfiança que alargo desde já à hospitalidade lusa a fenómenos como Maria Rita, que amanhã ocupa, novamente, o Coliseu do Porto, sem trazer nada de novo na bagagem e com uma digressão de fazer inveja a muito boa gente.
De regresso ao Rivoli, a trupe subversiva de Luciano Barbosa revelou-se um projecto "cristalizado musicalmente", embora pertinente e mordaz na proposta "Eurovisão". Já tinha escutado em atenção o registo 2004 dos RP e, tal como no concerto, a dicotomia entre o meio e a mensagem acaba, infelizmente, por remeter o colectivo ao insucesso. Dos temas frescos apresentados em versão "live", destaque tão natural como evidente para "Arrumador", uma crónica tóxico-social ao problema da droga nas grandes cidades, com os "moedinhas" a servirem de munição para um tiro certeiro em direcção a Paulo Morais que ainda não se demitiu da Câmara do Porto. "Tens em mim um sujeito competente/capaz de lidar com toda a gente/nem pró caldo eu faço uma pausa/quando estou angriando para a causa."
Vestido de forcado, Líder apresentou-se, desde logo, disposto a dar o corpo ao manifesto, desde que "não me proíbam de fumar o meu SG Viltro com pesticidas". Sem tempo para nicotina, "Biltre" fez da sátira uma arma de destruição política. "Portugal não está de tanga, está de fio dental" (ver foto do álbum). Gritos "fascista, fascista", com apoio VJ de Paulo Américo a projectar, imagine-se, nas paredes no Rivoli Teatro Municipal, imagens de Santana, Durão & companhia. Provavelmente, o momento mais alto de todo o concerto. Ironia, sarcasmo e mensagens tão subliminares quanto subversivas. A recuperação de "MamaPapa" com apoio visual extraído via clip conseguiu ainda sustentar uma agitação distante de se concretizar, apesar dos apelos ao "mosh" do Líder.
"Velcro", versão rock de "Pump the Jam" e o delírio samplesco de "Eurovisão", com "The Final Count Down", dos Europe incluído, antecederam um longo encore de quatro temas. Apesar de toda a pertinência do projecto "Eurovisão", tendo em conta o contexto político actual e um referendo à constituição europeia que irá bater todos os recordes de abstenção, a versão "live", em 2004, revela as fragilidades sonoras de um projecto que, recusando a inclusão de um baterista, não encontra no suporte rítmico da "drum-machine" uma plasticidade sonora capaz de construir um edifício musical consistente, seguro, atractivo. Triunfa uma postura em palco e um cuidado cénico de Luciano Barbosa invulgar pela inteligência e profissionalismo, mas que infelizmente se revela insuficiente para fazer passar a mensagem ao grande auditório.

Friday, November 19, 2004


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A Alemanha austera, depressiva e sombria gela PoNTI

Hoje tive a oportunidade de entrar em contacto com a mais recente proposta teatral a atingir o PoNTI. O pertencioso e desisteressante, Thomas Bischoff encena pela primeira vez fora da Alemanha a peça "Gertrud", de Einar Schleef. O resultado é um tiro no escuro. No entanto, o PoNTI´04 aceitou o desafio e, infelizmente, acolhe até domingo, no Teatro Helena Sá e Costa, um trabalho dramatúrgico formalmente muito conservador, bastante depressivo e marcadamente austero, baseado no primado rítmico da palavra agónica de Schleef sobre o movimento, a salvação, a mudança. Num cenário impessoal, frio, desprovido de adereços - algures entre o manicómio, o lar da terceira idade ou a prisão - ecoa um extenso monólogo no feminimo, a duas vozes, que revisita as dores existenciais e a angústia da memória de Gertrud, uma idosa abandonada pelos dois filhos e pela morte recente do marido. Se a legendagem falhar, todo o espectáculo cai por terra. O próprio Bischoff, considerado na Alemanha como "o congelador" pela rigidez formal, confessa que a base de todo o seu trabalho e a gênese do fascínio pelos textos de Schleef "é a plasticidade da palavra". Algo dificilmente traduzível para a língua portuguesa.
Antecipando a estreia de hoje a noite, o encenador salientou ainda, "a importância da componente histórica do texto", que segundo Bichoff "é um dos trabalhos mais singulares da dramaturgia alemã sobre o conflito entre as duas repúblicas". Importa recordar que a obra foi escrita no início dos anos 80, refletindo, desde logo, uma Alemanha em ruínas, dividida, humilhada e complexada com a derrota e a barbárie da II Guerra Mundial.
A sexagenária, evocativa da mãe do escritor, "representa toda uma geração de mulheres que sobreviveram na Alemanha desde a Grande Guerra", contextualiza o encenador. A divisão Oriente-Ociente, a perda de identidade, o orgulho ferido, a irreversibilidade da história, o peso da culpa são debitados em frases curtas, duras, velozes, paranóicas, cansativas.
Num ano em que o PoNTI aceita a conveniência orçamental e se transfigura no Festival da União dos Teatros da Europa (UTE), trazer ao Porto a Dusseldorfer Schauspielhaus, mais do que o "gesto politicamente correcto" de acolher uma companhia associada à UTE, é sobretudo uma aposta inconsequente, triste, conservadora e arriscada, tendo em conta a idiossincrasia, não só da obra de Schleef, como também da aborgadem cénica de Bischoff. Uma peça a evitar que certamente irá gelar o PoNTI.

Thursday, November 18, 2004

Debate: Instrumentos musicais e IVA

Hoje tive a oportunidade de ir à Fnac de Stª Catarina assitir a um intitulado "debate" centrado no IVA e instrumentos musicais. Qualquer espaço de reflexão foi prontamente anulado por um painel de convidados, escolhidos como patrocinadores do concurso-desafio da Rockmusic, pouco ou nada interessados em alterar o "status quo" do mercado. Para Renato Gomes, representante da Fender Ibérica, em Espanha é que se está bem, pois os instrumentos sofrem apenas 16 por cento de IVA, em Portugal é uma vergonha ter livros a 5; guitarras e CD a 19. Toda a gente de acordo. É só transformar Sampaio e Santana em cruzados, enviá-los numa nau para o norte de África, esperar que desapareçam e que sejamos novamente governados pelos nuestros hermanos "filipes", mas desta vez equipados pelo el Corte Inglés.
Empenhado em animar o "debate", Ricardo Dias, da loja Rockmusic, confessou que o pessoal ligado ao sector de música (vendedores, importadores, músicos, editoras, etc) tinha era de se juntar para alterar o estado das coisas, fazer pressão, barulho qualquer coisa. De acordo. No entanto, à pergunda atirada para a mesa: então por que é que não se juntam e fazem qualquer coisa? Estão à espera do quê? Depois de muitas hesitações e alguns desvios, a resposta do lojista foi tão lacónica quanto desconcertante: "porque existe muito comodismo, sobretudo na geração mais velha". Ficámos a saber que a questão do IVA é desde logo um problema geracional.
Na verdade, o OE para 2005 não prevê qualquer mudança ao nível das taxas de IVA para os instrumentos musicais, e pelos vistos, se depender do sector de venda, importação ou revenda, não será de prever grandes alterações pelo menos enquanto a "geração mais velha" continuar a reinar. Até por que, no final das contas, quem paga a factura é mesmo o consumidor. E quando digo consumidor estou a referir os pais do jovem adolescente que está a começar a tocar e quer fazer uma banda na garagem mais próxima e não aos "ruis velosos" nem aos "pedros abrunhosas". Mas esses, os consumidores, fétichistas ou não, estranhamente ficaram do outro lado da mesa a ouvir palermices...


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"O Rei Está a Morrer" no PoNTI´04

Após a estreia em Janeiro, na capital espanhola e da subsequente digressão nacional, que recolheu aplausos da crítica e público por todo o país, a encenação de José Luis Gómez, pelo Teatro de La Abadía, do texto "O Rei Está a Morrer", de Eugène Ionesco, conhece nos próximos três dias no palco do Teatro Nacional de S. João (TNSJ), inserido no PoNTI'04, o fim de uma existência feliz, plena de consequentes, urgentes e importantes reflexões sobre a consciência a partir da morte, enquanto situação limite e absurda do ser humano, sobretudo no contexto da cultura ocidental impregnada de conceitos judaico-cristãos nem sempre esclarecidos.
Em "O Rei Está a Morrer", Berenguer, a figura omnipresente nos textos de Ionesco, é atingido, a meio de uma festa, por um ataque cardíaco, ficando às portas da morte. A consciência de que não passa de um simples mortal, impotente perante as leis de transformação comuns a todo o universo, atinge-lhe a mente com uma violência proporcional ao tamanho do seu ego. Do choque nasce a negação geradora de ilusões e delírios a roçar o surreal. Imagina-se um Rei. Luta contra a morte. Encontra na primeira mulher, Rainha Margarita, uma espécie de guia tibetana que o orienta numa viagem mais do espiritual, profundamente humana rumo consciência plena, vazia de ilusões, preenchida de vacuidade.
Para o encenador, que ontem à tarde se encontrou no TNSJ a prepara a última série de três representações, o texto de Ionesco "é a mais importante obra dramática alguma vez escrita sobre a morte". Colocando de lado as didascálias e uma série de anacronimos, a abordagem da companhia espanhola centrou-se, sobretudo, nos aspectos mais contemporâneos da obra, tentando enfatizar o drama pessoal e experiencial do protagonista e o facto "da morte estar mais perto de nós do que poderíamos à partida pensar". Dos aspectos mais siginificativos na construção do edifício conceptual e representativo da peça de Ionesco, José Luis Gómez destaca, desde logo, a união entre a poesia do escritor e textos extraídos da filosofia budista tibetana. "O final da obra - afirma o encenador - é quase uma transcrição de momentos fundamentais do "Livro Tibetano dos Mortos" (Bardo-Thödol). É o livro que mais informação tem sobre a morte ou o acto de morrer", salienta. A inflexão sobre o budismo, apesar do Bardo-Thödol não ser um livro propriamente para noviços, conduz, inevitavelmente, ao tema central da peça: a morte do ego. A forma como o ser humano se considera a si próprio, a importância que atribui a uma existência que, não raras vezes, se distancia da verdadeira consciência dos fenómenos. E este é precisamente um dos tema que actualmente me fascina cada vez mais, por razões, sinceramente não me atrevo ainda aqui a confessar.
Poesia, humor, drama, transcendência são alguns dos pontos fortes de uma peça que importa conhecer. Inserida, no contexto da programação do Teatro de La Abadia, no ciclo "Velhice, Morte e Poder" - uma triologia inaugurada com "Rei Lear" , de Shakespeare, e a encerrar com a encenção "Édipo em Colono", de Sófocles - a proposta que hoje sobe ao palco do TNJS promete atingir a mente e a consciência de muitos dos espectadores. Uma sugestão de teatro para quem tiver a sorte ou conhecimentos internos para conseguir uma entrada para "O Rei Está a Morrer".

Wednesday, November 17, 2004


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Teatro: "Ratos e Homens", de Steinbeck

Estreia hoje noite na Sala Latino, anexa ao Teatro Sá da Bandeira, no Porto, a peça “Ratos e Homens”, de John Steinbeck. Uma viagem guiada ao âmago das ilusões do sonho americano, das promessas por cumprir, numa encenação de Fernando Moreira para a companhia Art´Imagem.
Dois homens, Lenny e George, deambulam pela América da Grande Depressão à procura de emprego. Acabam a trabalhar numa herdade, carregando caixotes de laranjas. Ambos perseguem o “american dream”. Ambos ambicionam um pedaço de terra, um espaço de liberdade, uma autonomia impossível de concretizar. As devastadoras e desumanas relações de poder entre a força trabalhadora e o capital, a problemática da emigração o e o triunfo antecipado das forças ecomómicas sobre o bem comum e a “res publica” são alguns dos conceitos analíticos possíveis na obra de Steinbeck. Volvidas mais de sete décadas, e tendo as eleições norte-americanas e a constituição europeia como pano de fundo da actualidade internacional, “Ratos e Homens” continuam a comer migalhas, a sonhar com dias de felizes de paz e a serem aniquilados por forças político-económicas cada vez mais poderosas que, colocando em causa a autonomia dos estados-nação, exploram o mundo como se de uma herdade norte-americana dos anos 30 se tratasse.
Para José Leitão, director da companhia que estreia hoje a sua 80ª representação – “depois de Paul Auster e David Mamet visitámos a América de Steinbek. Afinal três américas que são todas a mesma América. Uma América que se alimenta de mitos e promessas que nunca chegam a cumprir-se”. Já para Fernando Moreira, encenar “Ratos e Homens” foi a concretização de um sonho antigo. Um sonho alimentado pela força e actualidade simbólica dos personagens. “Muitos são imigrantes que partiram do México para a Califórnia à procura de trabalho e de uma vida melhor. É dessas pessoas que queria falar, pessoas que não se deixam ficar na crise, e de alguma maneira procuram trabalho num novo país, numa nova cidade, atravessando diariamente para o outro lado do rio”.
Com um interessante desenho de luz a cargo de Leuman Ordep sobre um cenário simples mas eficaz de Ricardo Preto e com um suporte musical inteligente e talentoso de Carlos Adolfo, a proposta “Ratos e Homens” que inaugura hoje uma temporada na Sala Latino até dia 19 de Dezembro, surge uma peça fundalmental, não só para conhecer a idiossincracia do autor do clássico “A Pérola”, como também para revisitar uma América superlativa, profunda, construída sobre a fome de liberdade e a utopia do sonho.
De realçar ainda que tendo em conta o importante trabalho que a delegação do Norte da AMI - Assistência Médica Internacional, e da AMIarte, em particular, têm vindo a desenvolver no universo dos sem-abrigo e na angriação de fundos através de eventos culturais para a construção do Abrigo Social, na freguesia portuense do Bonfim, a bilheira do espectáculo da próxima sexta-feira irá reverter em favor da referida fundação. “Um sinal de que não fazemos arte pela arte”, justifica José Leitão.

Tuesday, November 16, 2004

Caso RTP cheira a cunhas

A RTP tem um novo caso que promete, desde logo, agitar a cena política nacional e alimentar ainda mais o debate, até agora intencionalmente muito mal conduzido, sobre o poder político-ecomómico que se abate nas redacções dos meios de comunicação social, uma reflexão que repite tem passado ao lado dos verdadeiros temas. Mas regressando ao actualidade, segundo fontes próximas do canal de serviço público, que actualmente emite o programa 1, 2, 3 com a arrepiante Teresa Guilherme em horário nobre, na origem da tragédia está, como seria de esperar, uma tão tradicional cunha, uma das maiores armas da confiança e destruição política da adminstração pública e privada portuguesa que, na comunicação social caminha a grande velocidade para os padrões de desenvolvimento muito próximos dos países do terceiro mundo.
Na origem da hecatombe de ontem à tarde, que levou a demissão em bloco de toda a direcção de informação da RTP, está a ingerência do conselho de adminstração no concurso interno de selecção de candidatos a correspondentes no estrangeiro. Este processo é dirigido pela direcção de informação e presidido, naturalmente, por José Rodrigues dos Santos, que toma sobre si a tarefa de analisar as candidaturas e apresentar os nomes dos vencedores ao conselho de administração que normalmente se limita a dar luz verde. Ao que tudo indica, no concurso para correspondente da RTP em Madrid, o nome de Rosa Veloso ficou num modesto quarto lugar. Quando a direcção de informação viu a dita jornalista a ser destacada para a capital espanhola pediu no dia seguinte, quinta-feira, uma reunião com a adminstração do canal para saber qual o motivo da inesperada subida no ranking. Depois da segunda reunião de ontem, José Rodrigues dos Santos, não satisfeito com as respontas que naturalmente colocavam em causa o seu trabalho, bateu mesmo com a porta, levando consigo toda a direcção de informação (Judite de Sousa, Miguel Barroso, Manuel da Costa, Maria José Nunes e Carlos Daniel).
Entretanto, os partidos da oposição já exigiram uma audição parlamentar ao director de informação da RTP para que este esclareça de uma vez por todas as verdadeiras razões da sua demissão. Depois do caso Marcelo, o PSD parece que aprendeu a lição e aceita o jogo mas com uma pequena condição: não meterem Morais Sarmento ao barulho.
Será por isso de esperar mais agitação em S. Bento, com os bloquistas a falarem do controlo dos meios de comunicação social por parte de Morais Sarmento, elevado ao estatuto de novo Goebbels ao serviço do regime de Santana, e o PSD a repetir que pelo menos esta cunha é da exclusiva responsabilidade do conselho de adminstração da RTP e que o ministro desta vez não teve nada a ver com o favor.
Se não houver mais revelações hoje de tarde e se as alegada cunha se confirmar, trata-se de trazer para a praça pública um mal geral e recorrente das adminstrações públicas e privadas das empresas "made in Portugal". Para grande tristeza de quem teve a má sorte de nascer neste jardim à beira mar plantado, quinta onde o mérito e a competência são factores secundários para arranjar emprego e para construir uma carreira de sucesso. Infelizmente os jornalistas como os restantes concidadãos não escapam a esta tragédia de também eles sem portugueses.