"O Rei Está a Morrer" no PoNTI´04
Após a estreia em Janeiro, na capital espanhola e da subsequente digressão nacional, que recolheu aplausos da crítica e público por todo o país, a encenação de José Luis Gómez, pelo Teatro de La Abadía, do texto "O Rei Está a Morrer", de Eugène Ionesco, conhece nos próximos três dias no palco do Teatro Nacional de S. João (TNSJ), inserido no PoNTI'04, o fim de uma existência feliz, plena de consequentes, urgentes e importantes reflexões sobre a consciência a partir da morte, enquanto situação limite e absurda do ser humano, sobretudo no contexto da cultura ocidental impregnada de conceitos judaico-cristãos nem sempre esclarecidos.
Em "O Rei Está a Morrer", Berenguer, a figura omnipresente nos textos de Ionesco, é atingido, a meio de uma festa, por um ataque cardíaco, ficando às portas da morte. A consciência de que não passa de um simples mortal, impotente perante as leis de transformação comuns a todo o universo, atinge-lhe a mente com uma violência proporcional ao tamanho do seu ego. Do choque nasce a negação geradora de ilusões e delírios a roçar o surreal. Imagina-se um Rei. Luta contra a morte. Encontra na primeira mulher, Rainha Margarita, uma espécie de guia tibetana que o orienta numa viagem mais do espiritual, profundamente humana rumo consciência plena, vazia de ilusões, preenchida de vacuidade.
Para o encenador, que ontem à tarde se encontrou no TNSJ a prepara a última série de três representações, o texto de Ionesco "é a mais importante obra dramática alguma vez escrita sobre a morte". Colocando de lado as didascálias e uma série de anacronimos, a abordagem da companhia espanhola centrou-se, sobretudo, nos aspectos mais contemporâneos da obra, tentando enfatizar o drama pessoal e experiencial do protagonista e o facto "da morte estar mais perto de nós do que poderíamos à partida pensar". Dos aspectos mais siginificativos na construção do edifício conceptual e representativo da peça de Ionesco, José Luis Gómez destaca, desde logo, a união entre a poesia do escritor e textos extraídos da filosofia budista tibetana. "O final da obra - afirma o encenador - é quase uma transcrição de momentos fundamentais do "Livro Tibetano dos Mortos" (Bardo-Thödol). É o livro que mais informação tem sobre a morte ou o acto de morrer", salienta. A inflexão sobre o budismo, apesar do Bardo-Thödol não ser um livro propriamente para noviços, conduz, inevitavelmente, ao tema central da peça: a morte do ego. A forma como o ser humano se considera a si próprio, a importância que atribui a uma existência que, não raras vezes, se distancia da verdadeira consciência dos fenómenos. E este é precisamente um dos tema que actualmente me fascina cada vez mais, por razões, sinceramente não me atrevo ainda aqui a confessar.
Poesia, humor, drama, transcendência são alguns dos pontos fortes de uma peça que importa conhecer. Inserida, no contexto da programação do Teatro de La Abadia, no ciclo "Velhice, Morte e Poder" - uma triologia inaugurada com "Rei Lear" , de Shakespeare, e a encerrar com a encenção "Édipo em Colono", de Sófocles - a proposta que hoje sobe ao palco do TNJS promete atingir a mente e a consciência de muitos dos espectadores. Uma sugestão de teatro para quem tiver a sorte ou conhecimentos internos para conseguir uma entrada para "O Rei Está a Morrer".
2 comments:
conhecimentos internos. risos.
qual é a piada, carlinha?
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