Bono encontra-se frequentemente com Paul McGuinness para lanchar e discutir a estratégia para melhor desmantelar a próxima bomba discográfica. Na mansão do manager dos U2 em Annamoe, a uma hora a Sul de Dublin, ambos falam de alinhamentos, partilham ideias e croissants. Após 11 milhões de cópias vendidas de "All That You Can´t Leave Behind" e de 104 milhões de dólares arrecadados com a "Elevation Tour", é tempo de arregaçar as mangas de veludo para preparar mais um assalto às princípais tabelas de vendas de discos (Reino Unido e EUA), colocar mais um álbum no sapatinho de milhares de melómanos e agendar mais uma viagem à volta do mundo. O disco sai a partir das próximas 12 badaladas, a digressão arranca, do outro lado do Atlântico, a 1 de Março, em Miami. Entretanto, nada pode ficar ao acaso, os U2 competem na "premier league" das melhores bandas do planeta, rivalizando com monstros do rock como Rolling Stones ou Metallica. É necessário estar atento às movimentações da concorrência e saber, antecipandamente, quando e onde é que os adversários vão atacar com editações e digressões. Em Inglaterra, Eminen já está fora da corrida. Bastou lançar "Vertigo".
Milhares de "bloody sundays" depois, o quarteto de Dublin apresenta nesta segunda-feira em todo o mundo o 11º álbum de estúdio. Para a mais famosa, bem sucedida e mediática banda irlandesa do planeta rock, "How To Dismantle An Atomic Bomb" não pode ser um simples CD com 11 faixas, tem mesmo de se afirmar como um produto de cultura transversal, capaz de encantar o adolescente de Detroit e, simultaneamente, despertar a curiosidade do adulto residente em Moscovo. As letras não devem ser muito complicadas, nem os temas demasiado longos. O design deve ser reconhecível a pelo menos 100 metros a partir de qualquer prateleira nas lojas de discos de todo o mundo. O single "Vertigo" é desde logo sinal da excelente estratégia comercial por detrás registo. As palavras são curtas, multiculturais, compreensíveis por japoneses e argentinos. Bono grita "Hello, Hello" e do outro lado do mundo toda a gente atende e entende do que se trata. O single já desbravou, desde dia 8, o caminho do sucesso, trepando as tabelas de vendas no Reino Unido e tirando Eminen da "pole position" das ofertas natalícias. Mas nem tudo foram rosas para os autores de "Pop" no fabrico desta bomba. A começar desde logo com a mudança de produtor, deitando para o lixo um ano de trabalho; passando pela indefinição do alinhamento e terminando na pirataria on-line, que, no início deste mês, quase adiou o lançamento do CD. Com o Natal à porta seria um desastre e meio, com efeitos colaterais na Universal e Island Records incalculáveis. Apesar do susto, a data manteve-se e a partir da meia-noite meio mundo pára para desmantelar a mais recente bomba irlandesa.
Espremidos até à última gota os limões gigantes de "Achtung Baby" e "Pop" , os U2 parece que ainda não encontraram aquilo que tanto procuram. Para sobreviver no novo milénio, o colectivo reinventou-se nas origens rock dos domingos sangrentos dos anos 80 com "All That You Can´t Leave Behind". Num exercício funambulista, a banda recuperou o público adulto de "War" e os "teenagers" de "Pop". Nada se perde tudo se transforma. "How To Dismantle An Atomic Bomb" é um passo em frente de "All the Things..." em direcção ao universo "Boy", mas sem a americanização de "Joshua Tree". Mais riffs, menos política, mais bombas, menos limões, mais rock, menos pop. O título remete para a violência e a paranóia do terrorismo, sonhos de paz, mas sem fragmentar públicos com desnecessários manifestos políticos. A música serve-se simples, quente, pronta a conquistar meio-mundo e a reclamar para os U2 o trono de melhor banda rock do mundo.
Gerados e criados em Dublin no Outono de 1976, os U2 conhecem-se a partir de um anúncio colocado pelo adolescente com 14 anos, Larry Muller, nas paredes da escola secundária, procurando músicos para formar uma banda. Paul Hewson (Bono), David Evans (the Edge), Adam Clayton e Dick Evans respondem ao apelo e formam os Feedback, uma banda de acólitos rock que se limita a tocar versões dos Beatles e Rolling Stones. Rebaptizada, em 1977, de Hype, e finalmente, depois da saída de Dick Evans para fundar os Virgen Prunes, a banda recebe o nome definitivo de U2.
O primeiro concerto surge em 1978, num concurso de talentos, na Dublin natal. Os U2 ficam em primeiro lugar e conquistam, desde logo, a atenção de Paul McGuiness, então manager dos Stranglers. No Outono do ano seguinte, os miúdos editam na Irlanda, pela CBS, o EP "Three". A digressão por Inglaterra é desastrosa. Com single "Another Day" abrem-se mais portas e acabam por assinar pela Island. Em 1980, editam "Boy" com produção a cargo de Steve Lillywhite (mesmo de "How To Dismantle"). Finalmente, conquistam a tabela de vendas do Reino Unido, ficando num interessante 11º lugar. Os singles "I Will Follow" e "Gloria" começam a abrir terreno nos EUA através da MTV. Na Primavera de 1983 "War" fica em 12º na tabela de vendas dos EUA, com "New Year´s Day" e "Sunday Bloody Sunday" em destaque, ambos os temas elevam o EP "Under a Blood Red Sky" ao 2ª posto no Reino Unido. Depois de conquistada a terra de Sua Majestade, a "pole position" nos EUA não resiste a "Joshua Tree" (1987). O sucesso é tal que nasce o projecto audiovisual "Rattle and Hum". O CDs, bandeiras, camisas e o filme esgotam comercial e criativamene a banda que atinge o ponto de ruptura. A separação parece inevitável. Os U2 são praticamente dados como mortos.
No entanto, contra todas as expectativas, segue-se o milagre da ressurreição na Berlim de Brian Eno, em 1990. Os U2 reinventam-se com "Achtung Baby". Misturam Bowie dos anos 70 com a cena electrónica de Manchester e encontram uma nova identidade, novamente explorada até ao limite do suportável em megadigessões que marcaram uma nova forma de entertenimento. Pude experimentar essa droga chamada Zoo-TV em Alvadade. Depois dessa experiência, a minha noção de concerto ficou irremediavelmente alterada. Os efeitos secundários marcaram toda uma geração.
Esgotada a "electro" com o fracasso de "Pop", os U2 encontram-se novamente num beco sem saída. A solução foi fazer marcha a trás e regressar às origens. Primeiro ensaio, 2000, com "All That You Can´t Leave.." tirou a temperatura, apalpou o terreno, segue-se o recuo mais desinibido e passional com "How To Dismantle An Atomic Bomb" à venda a partir da meia-noite numa discoteca perto de si.